segunda-feira, novembro 19

O Pensamento de Giordano Bruno



"O Cosmo... é eterno, infinito. A Terra é um dos mundos, e nós, que estamos sobre ele, giramos ao redor do Sol sem perceber. Os astros estão ligados às pequenas coisas da Terra. A Lua às marés, à menstruação das mulheres, o sol dá vida às plantas, a nós seres humanos... Se isto é verdade, e é verdade, Deus não está no alto, fora do mundo, mas em cada partícula de matéria, inerte ou viva. Deus é a própria matéria."


"Uma nova concepção do Universo deve corresponder a uma nova concepção do Homem."


''Que ingenuidade, pedir aos que têm poder para que mudem o poder.''


"Se eu, ilustríssimo Cavaleiro, manejasse o arado, apascentasse um rebanho, cultivasse uma horta, remendasse um fato, ninguém faria caso de mim, raros me observariam, poucos me censurariam, e facilmente poderia agradar a todos. Mas, por eu ser delineador do campo da natureza, atento ao alimento da alma, ansioso da cultura do espírito e estudioso da actividade do intelecto, eis que me ameaça quem se sente visado, me assalta quem se vê observado, me morde quem é atingido, me devora quem se sente descoberto. E não é só um, não são poucos, são muitos, são quase todos. Se quiserdes saber porque isto acontece, digo-vos que a razão é que tudo me desagrada, que detesto o vulgo, a multidão não me contenta, e só uma coisa me fascina: aquela, em virtude da qual me sinto livre em sujeição, contente em pena, rico na indigência e vivo na morte; em virtude da qual não invejo aqueles que são servos na liberdade, que sentem pena no prazer, são pobres na riqueza e mortos em vida, pois que têm no próprio corpo a cadeia que os acorrenta, no espírito o inferno que os oprime, na alma o error que os adoenta, na mente o letargo que os mata, não havendo magnanimidade que os redima, nem longanimidade que os eleve, nem esplendor que os abrilhante, nem ciência que os avive. Daí, sucede que não arredo o pé do árduo caminho, por cansado; nem retiro as mãos da obra que se me apresenta, por indolente; nem qual desesperado, viro as costas ao inimigo que se me opõe, nem como deslumbrado, desvio os olhos do divino objeto: no entanto, sinto-me geralmente reputado a um sofista, que mais procura parecer subtil do que ser verídico; um ambicioso, que mais se esforça por suscitar nova e falsa seita do que por consolidar a antiga e verdadeira; um trapaceiro que procura o resplendor da glória impingindo as trevas dos erros; um espírito inquieto que subverte os edifícios da boa disciplina. Oxalá, Senhor, que os santos numes afastem de mim todos aqueles que injustamente me odeiam; oxalá que me seja sempre propício o meu Deus; oxalá que me sejam favoráveis todos os governantes do nosso mundo; oxalá que os astros me tratem tal como à semente, de maneira que apareça no mundo algum fruto útil e glorioso do meu labor, acordando o espírito e abrindo o sentimento àqueles que não têm luz e intelecto; pois, em verdade, eu não me entrego a fantasias, e se erro, julgo não errar intencionalmente; falando e escrevendo, não disputo por amor da vitória em si mesma (pois que todas as reputações e vitórias considero inimigas de Deus, abjectas e sem sombra de honra, se não assentarem na verdade), mas por amor da verdadeira sapiência e fervor da verdadeira especulação me afadigo, me apoquento, me atormento. É isto que irão comprovar os argumentos de demonstração, baseados em raciocínios válidos que procedem de um juízo recto, informado por imagens não falsas, que, como verdadeiras embaixadoras, àqueles que as procuram, patentes àqueles que as miram, claras para todo aquele que as aprende, certas para todo aquele que as compreende. Apresento-vos agora a minha especulação acerca do infinito, do universo e dos mundos inumeráveis."Ao ouvir sua sentença de morte, Giordano Bruno, aos 17 de fevereiro de 1600, disse aos seus algozes: "Maiori forsan cum timore sententiam in me fertis, quam ego accipiam", ou seja, Talvez sintam maior temor em sacrificar-me, sentenciando-me, do que eu, em aceitar"


terça-feira, novembro 13

Tributo a Che


"(...) atuo como penso, e, com certeza, fui leal com as minhas convicções. Cresçam como bons revolucionarios. Estudem muito para dominar a técnica que permite dominar a técnica da natureza. Lembrem-se que a revolução é o importante, e que CADA UM DE NÓS, SOZINHO, NÃO VALE NADA. Acima de tudo, sejam sempre capazes de sentir no mais fundo qualquer injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. É a melhor qualidade de um revolucionário."


"Nasci na Argentina; não é segredo para ninguém. Sou cubano e também sou argentino, se não se ofenderem os ilustríssimos latino-americanos, me sinto tão patriota da América-Latina, de qualquer país da América-Latina, como qualquer outro e, no momento em que fosse necessário, estaria disposto a entregar minha vida pela libertação de qualquer um dos países latino-americanos, sem pedir nada a ninguém, sem exigir nada, sem explorar ninguém..."


"O socialismo não é uma sociedade beneficente, não é um regime utópico, baseado na bondade do homem como homem. O socialismo é um regime a que se chega historicamente e que tem por base a socialização dos bens fundamentais de produção e a distribuição equitativa de todas as riquezas da sociedade, numa sitação de produção social. Isto é,a produção criada pelo capitalismo: as grandes fábricas, a grande pecuária capitalista, a grande agricultura capitalista, os locais onde o trabalho humano era feito em comunidade, em sociedade; mas naquela época o aproveitamento do fruto do trabalho era feito pelos capitalistas individialmente, pela classe exploradora, pelos proprietários jurídicos dos bens de produção."


Che Guevara

quinta-feira, novembro 8

Quem Morre?



Morre lentamente

Quem não viaja,

Quem não lê,

Quem não ouve música,

Quem não encontra graça em si mesmo

Morre lentamente

Quem destrói seu amor próprio,

Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente

Quem se transforma em escravo do hábito

Repetindo todos os dias os mesmos trajeto,

Quem não muda de marca,

Não se arrisca a vestir uma nova cor ou

Não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente

Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções,

Justamente as que resgatam o brilho dos olhos e os corações aos tropeços.

Morre lentamente

Quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, ou amor,

Quem não arrisca o certo pelo incerto

Para ir atrás de um sonho,

Quem não se permite, pelo menos uma vez na vida,

Fugir dos conselhos sensatos...

Viva hoje !

Arrisque hoje !

Faça hoje !

Não se deixe morrer lentamente !

NÃO SE ESQUEÇA DE SER FELIZ


Pablo Neruda

segunda-feira, outubro 15

As pessoas ainda não foram terminadas



Porque nosso DNA é incompleto, inventamos poesia, culinária...


Rubem Alves


As diferenças entre um sábio e um cientista? São muitas e não posso dizer todas. Só algumas. O sábio conhece com a boca, o cientista, com a cabeça. Aquilo que o sábio conhece tem sabor, é comida,conhecimento corporal. O corpo gosta. A palavra "sapio", em latim, quer dizer "eu degusto"... O sábio é um cozinheiro que faz pratos saborosos com o que a vida oferece. O saber do sábio dá alegria, razões paraviver. Já o que o cientista oferece não tem gosto, nãomexe com o corpo, não dá razões para viver. O cientista retruca: "Não tem gosto, mas tem poder"... É verdade. O sábio ensina coisas do amor. O cientista, do poder. Para o cientista, o silêncio é o espaço da ignorância.Nele não mora saber algum; é um vazio que nada diz. Para o sábio o silêncio é o tempo da escuta, quando se ouve uma melodia que faz chorar, como disse Fernando Pessoa num dos seus poemas. Roland Barthes, já velho,confessou que abandonara os saberes faláveis e se dedicava, no seu momento crepuscular, aos sabores inefáveis. Outra diferença é que para ser cientista há de se estudar muito, enquanto para ser sábio não é preciso estudar. Um dos aforismos do Tao-Te-Ching diz o seguinte: "Na busca dos saberes, cada dia alguma coisa é acrescentada. Na busca da sabedoria, cada dia alguma coisa é abandonada". O cientista soma. O sábio subtrai. Riobaldo, ao que me consta, não tinha diploma. E, não obstante, era sábio. Vejam só o que ele disse: "O senhor mire e veja: o mais importante e bonito do mun­do é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando..." É só por causa dessa sabedoria que há educadores. A educação acontece enquanto as pessoas vão mudando, para que não deixem de mudar. Se as pessoas estivessem prontas não haveria lugar para a educação. O educador ajuda os outros a irem mudando no tempo. Eu mesmo já mudei nem sei quantas vezes. As pessoas da minha geração são as que viveram mais tempo, não pelo número de anos contados pelos relógios e calendários, mas pela infinidade de mundos por que passamos num tempo tão curto. Nos meus 74 anos, meu corpo e minha cabeça viajaram do mundo da pedra lascada e da madeira- monjolo, pi­lão, lamparina - até o mundo dos computadores e da internet. Os animais e plantas também mudam, mas tão devagar que não percebemos. Estão prontos. Abelhas, vespas, cobras, formigas, pássaros, aranhas são o que são e fazem o que fazem há milhões de anos. Porque estão prontos, não precisam pensar e não podem ser educados. Sua programação, o tal de DNA, já nasce pronta. Seus corpos já nascem sabendo o que precisam saber paraviver. Conosco aconteceu diferente. Parece que, ao nos criar,o Criador cometeu um erro (ou nos pregou uma peça!): deu-nos um DNA incompleto. E porque nosso DNA é incompleto somos condenados a pensar. Pensar para quê? Para inventar a vida! É por isso, porque nosso DNA é incompleto, que inventamos poesia, culinária, música, ciência, arquitetura, jardins, religiões, esses mundos a que se dá o nome de cultura. Pra isso existem os educadores: para cumprir o dito do Riobaldo... Uma escola é um caldeirão de bruxas que o educador vai mexendo para "desigualizar" as pessoas e fazer outros mundos nascerem...

segunda-feira, outubro 8

O Nascimento da Loucura...



"(...)meu nascimento não foi anunciado por meu choro; assim que vim ao mundo, viram-me sorrir graciosamente para minha mãe, a ninfa Neotetes, a Juventude. Seria um grande erro eu invejar a Júpiter a felicidade de ter sido amamentado por uma cabra, pois as duas ninfas mais graciosas do mundo, Mete, a Embriaguez, filha de Baco, e Apédia, a Ignorância, filha de Pã, foram minhas amas-de-leite. Podeis vê-las aqui entre minhas seguidoras.
A propósitos de minhas seguidoras, convêm que vo-las apresente. A que vos observa li com um ar arrogante é o Amor-Próprio. A outra, com um rosto afávele as mãos prontas para apludir, é a Adulação. Aqui vedes a deusa do Esquecimento, que adormece e parece já esquecida . Mais adiante, a Preguiça tem os braços cruzados e apoiados sobre os cotovelos. Não reconheceis a Volúpia, por suas guirlandas, suas coroas de rosas, e pelas essências deliciosas com que se perfuma? Não notais que a que passeia a toda volta seus olhares imprudentes e incertos? é a Demência. Aquela outra, de pele luzente, corpo abundante e rechonchudo, é a deusa das Delícias. Mas também percebeis dois deuses em meio a essas deusas. Um é Como* e o outro é Morfeu**.
É com o auxilio desses servidores fiéis que submeto a meu império tudo o que existe no universo; é através deles que governo os que governam o mundo."


*Como: Deus grego que preside os prazeres da mesa
** Morfeu: personificação do sono e do sonho

sábado, setembro 22

QUE É FILOSOFIA


Olavo de Carvalho

Zero Hora, 17 de outubro de 2004

Toda filosofia nasce de um impulso originário – infantil, se quiserem -- de entender a realidade da experiência. Mas, entre esse impulso e a “filosofia” como atividade curricular acadêmica, a distância é às vezes tão grande que ele desaparece por completo.
As desculpas para isso são sempre as mais respeitáveis. Antes de responder às perguntas da infância é preciso adquirir os instrumentos intelectuais do saber adulto, o que inclui o estudo das obras dos filósofos; este estudo supõe o domínio da interpretação de textos; e a interpretação de textos pode ser tão interessante que se torna um pólo de atração independente. Eis-nos então nos píncaros do saber filosófico acadêmico, ao menos no sentido franco-uspiano do termo, e imunizados para sempre às perguntas que nos levaram, pela primeira vez, ao estudo da filosofia. Na USP dos anos 60, que não parece ter mudado muito desde então, qualquer tentativa de enfrentar essas perguntas em vez de ocupar-se da nobre tarefa da análise de textos era desprezada como amadorismo, beletrismo, ensaísmo. Quando o prof. José Arthur Gianotti, no auge da sua maturidade intelectual, define a filosofia como uma ocupação com textos, ele não faz senão expressar sua experiência de algo que, no ambiente da sua formação, recebia o nome de “filosofia”, mas que jamais seria reconhecido como tal por Sócrates e Platão.
Platão -- ou Sócrates -- mostrava um caminho para a filosofia que jamais poderia ser encontrado num texto. Ele falava de uma anamnesis, de um mergulho na memória pessoal em busca do instante do nascimento da consciência filosófica. A consciência filosófica era a antevisão das formas universais eternas. Essas formas transcendiam infinitamente a esfera da experiência corporal, portanto também da memória sensível, mas, em algum momento esquecido do tempo, haviam se entremostrado nela e despertado, na alma do indivíduo carnal, a aspiração do Bem supremo. No curso posterior da vida, a maioria dos homens se esquecia desse momento para sempre. Em outros, a ocultação era parcial. Se o objeto experienciado desaparecia da consciência, a aspiração a que ele dera nascimento permanecia viva. Viva, mas buscando satisfação a esmo em objetos impróprios, errando entre símbolos e simulacros até atinar -- ou não -- com o caminho de volta. O encontro do aprendiz com o filósofo maduro era um momento decisivo dessa busca. O filósofo atraía os discípulos porque algo, nele, evocava o Bem supremo. O filósofo era um símbolo. O discípulo podia agarrar-se a ele como a qualquer outro símbolo, adorando-o ao ponto de desejar possuí-lo carnalmente. É o que Alcebíades, após a noitada do Banquete, confessa a Sócrates. Mas Sócrates lhe explica que ele está buscando na direção errada. O que move a alma do discípulo é o desejo de um bem espiritual esquecido, que a carne de Sócrates não pode satisfazer. O filósofo é um símbolo do Bem e não o próprio Bem. Nesse sentido, ele não é diferente de qualquer outro símbolo. Mas ele não é apenas símbolo. Ele não se limita a representar exteriormente o Bem, como a beleza material o representa sem saber o que faz. Ele é um registro consciente daquele Bem que ele próprio simboliza. Ele é o homem que realizou a anamnesis e descobriu na própria alma a abertura para o Bem. Por isso ele pode ensinar a Alcebíades o caminho de volta, mostrar que esse caminho não se encontra no corpo de Sócrates, e sim na alma de Alcebíades. Ele convida o discípulo à metanóia, ao giro da direção da atenção desde fora para dentro, desde a atualidade dos sinais sensíveis para a escuridão da memória, em cujo fundo brilha, escondida, a recordação da abertura primordial para a experiência do Bem e das formas eternas.
A análise infindável de textos é uma longa deleitação viciosa no corpo dos símbolos, um derivativo carnal que afasta para sempre da recordação do Bem ao mesmo tempo que crê piamente “fazer filosofia”. Foi isso que ensinaram ao prof. Gianotti com o nome de “filosofia”. Mas não era isso o que Sócrates e Platão ensinavam.

domingo, setembro 16

Algumas doses de Pablo Neruda


Todos os caminhos conduzem ao mesmo objetivo:

comunicar aos outros o que somos.

Devemos atravessar a solidão e a dificuldade,

o isolamento e o silêncio, a fim de chegar ao local encantado

onde podemos dançar nossa dança desajeitada

e cantar nossa canção Melancólica

mas nessa dança ou nessa canção

são cumpridos os ritos mais antigos de nossa consciência,

na percepção de sermos humanos

e de cremos em um destino comum.



Pablo Neruda,1971

domingo, setembro 9

Luciano Pavarotti


Poucos na história da humanidade souberam fazer do erudito algo tão popular... poucos são os que quebram paradigmas artítiscos e continuam com prestígio entre ambas as classes sociais... poucos fazem do humano algo tão divino...


Nessun Dorma

(Tradução)


Ninguém durma

Que ninguém durma!

Que ninguém durma!

Você também, ó Princesa

Em seu quarto frio, olhe as estrelas

Tremendo de amor e de esperança

Mas meu mistério está fechado em mim

O meu nome ninguém saberá

Não, não, só o direi na sua boca

Quando a luz brilhar

E o meu beijo quebrará

O silêncio que te faz minha

O seu nome ninguém saberá

E nós teremos, oh!, que morrer, morrer

Parta, oh noite

Esvaneçam, estrelas

Esvaneçam, estrelas

Ao amanhecer eu vencerei!

Vencerei! Vencerei!

sábado, setembro 8

Os Idiotas Confessos


Antigamente, o idiota era o idiota. Nenhum ser tão sem mistério e repito: — tão cristalino. O sujeito o identificava, a olho nu, no meio de milhões. E mais: — o primeiro a identificar-se como tal era o próprio idiota. Não sei se me entendem. No passado, o marido era o último a saber. Sabiam os vizinhos, os credores, os familiares, os conhecidos e os desconhecidos. Só ele, marido, era obtusamente cego para o óbvio ululante.
Sim, o traído ia para as esquinas, botecos e retretas gabar a infiel: — “Uma santa! Uma santa!”. Mas o tempo passou. Hoje, dá-se o inverso. O primeiro a saber é o marido. Pode fingir-se de cego. Mas sabe, eis a verdade, sabe. Lembro-me de um que sabia endereço, hora, dia etc. etc.
Pois o idiota era o primeiro a saber-se idiota. Não tinha nenhuma ilusão. E uma das cenas mais fortes que vi, em toda a minha infância, foi a de uma autoflagelação. Um vizinho berrava, atirando rútilas patadas: — “Eu sou um quadrúpede!”. Nenhuma objeção. E, então, insistia, heróico: — “Sou um quadrúpede de 28 patas!”. Não precisara beber para essa extroversão triunfal. Era um límpido, translúcido idiota.
E o imbecil como tal se comportava. Nascia numa família também de imbecis. Nem os avós, nem os pais, nem os tios, eram piores ou melhores. E, como todos eram idiotas, ninguém pensava. Tinha-se como certo que só uma pequena e seletíssima elite podia pensar. A vida política estava reservada aos “melhores”. Só os “melhores”, repito, só os “melhores” ousavam o gesto político, o ato político, o pensamento político, a decisão política, o crime político.
Por saber-se idiota, o sujeito babava na gravata de humildade. Na rua, deslizava, rente à parede, envergonhado da própria inépcia e da própria burrice. Não passava do quarto ano primário. E quando cruzava com um dos “melhores”, só faltava lamber-lhe as botas como uma cadelinha amestrada. Nunca, nunca o idiota ousaria ler, aprender, estudar, além de limites ferozes. No romance, ia até ao Maria, a desgraçada.
Vejam bem: — o imbecil não se envergonhava de o ser. Havia plena acomodação entre ele e sua insignificância. E admitia que só os “melhores” podem pensar, agir, decidir. Pois bem. O mundo foi assim, até outro dia. Há coisa de três ou quatro anos, uma telefonista aposentada me dizia: — “Eu não tenho o intelectual muito desenvolvido”. Não era queixa, era uma constatação. Santa senhora! Foi talvez a última idiota confessa do nosso tempo.
De repente, os idiotas descobriram que são em maior número. Sempre foram em maior número e não percebiam o óbvio ululante. E mais descobriram: — a vergonhosa inferioridade numérica dos “melhores”. Para um “gênio”, 800 mil, 1 milhão, 2 milhões, 3 milhões de cretinos. E, certo dia, um idiota resolveu testar o poder numérico: — trepou num caixote e fez um discurso. Logo se improvisou uma multidão. O orador teve a solidariedade fulminante dos outros idiotas. A multidão crescia como num pesadelo. Em quinze minutos, mugia, ali, uma massa de meio milhão.
Se o orador fosse Cristo, ou Buda, ou Maomé, não teria a audiência de um vira-lata, de um gato vadio. Teríamos de ser cada um de nós um pequeno Cristo, um pequeno Buda, um pequeno Maomé. Outrora, os imbecis faziam platéia para os “superiores”. Hoje, não. Hoje, só há platéia para o idiota. É preciso ser idiota indubitável para se ter emprego, salários, atuação, influência, amantes, carros, jóias etc. etc.
Quanto aos “melhores”, ou mudam, e imitam os cretinos, ou não sobrevivem. O inglês Wells, que tinha, em todos os seus escritos, uma pose profética, só não previu a “invasão dos idiotas”. E, de fato, eles explodem por toda parte: são professores, sociólogos, poetas, magistrados, cineastas, industriais. O dinheiro, a fé, a ciência, as artes, a tecnologia, a moral, tudo, tudo está nas mãos dos patetas.
E, então, os valores da vida começaram a apodrecer. Sim, estão apodrecendo nas nossas barbas espantadíssimas. As hierarquias vão ruindo como cúpulas de pauzinhos de fósforos. E nem precisamos ampliar muito a nossa visão. Vamos fixar apenas o problema religioso. A Igreja tem uma hierarquia de 2 mil anos. Tal hierarquia precisa ser preservada ou a própria Igreja não dura mais quinze minutos. No dia em que um coroinha começar a questionar o papa, ou Jesus, ou Virgem Maria, será exatamente o fim.
É o que está acontecendo. Nem se pense que a “invasão dos idiotas” só ocorreu no Brasil. Se fosse uma crise apenas brasileira, cada um de nós podia resmungar: — “Subdesenvolvimento” — e estaria encerrada a questão. Mas é uma realidade mundial. Em que pese a dessemelhança de idioma e paisagem, nada mais parecido com um idiota do que outro idiota. Todos são gêmeos, estejam uns aqui, outros em Cingapura.
Mas eu falava de que mesmo? Ah, da Igreja. Um dia, ao voltar de Roma, o dr. Alceu falou aos jornalistas. E atira, pela janela, 2 mil anos de fé. É pensador, um alto espírito e, pior, uma grande voz católica. Segundo ele, durante os vinte séculos, a Igreja não foi senão uma lacaia das classes dominantes, uma lacaia dos privilégios mais hediondos. Portanto, a Igreja é o próprio Cinismo, a própria Iniqüidade, a própria Abjeção, a própria Bandalheira (e vai tudo com a inicial maiúscula).
Mas quem diz isso? É o Diabo, em versão do teatro de revista? Não. É uma inteligência, uma cultura, um homem de bem e de fé. De mais a mais, o dr. Alceu tinha acabado de beijar a mão de Sua Santidade. Vinha de Roma, a eterna. E reduz a Igreja a uma vil e gigantesca impostura. Mas se ele o diz, e tem razão, vamos, já, já, fechar a Igreja e confiscar-lhe as pratas.
Cabe então a pergunta: — “O dr. Alceu pensa assim?”. Não. Em outra época, foi um dos “melhores”. Mas agora é preciso adular os idiotas, conquistar-lhes o apoio numérico. Hoje, até o gênio se finge imbecil. Nada de ser gênio, santo, herói ou simplesmente homem de bem. Os idiotas não os toleram. E as freiras põem short, maiô e posam para Manchete como se fossem do teatro rebolado. Por outro lado, d. Hélder quer missa com reco-reco, tamborim, pandeiro e cuíca. É a missa cômica e Jesus fazendo passista de Carlos Machado. Tem mais: — o papa visitará a América Latina. Segundo os jornais, teme-se que o papa seja agredido, assassinado, ultrajado etc. etc. A imprensa dá a notícia com a maior naturalidade, sem acrescentar ao fato um ponto de exclamação. São os idiotas, os idiotas, os idiotas.

[19/8/1968]

In Rodrigues, Nelson. A cabra vadia: novas confissões. São Paulo: Cia das Letras, 1995, p. 210.

Nelson e Filosofia, por Luciano Torcione


Em 1988 as obras de cronicas e memórias eram dificeis de encontrar nos sebos, e fui ler na biblioteca nacional, enquanto estudava filosofia no largo de são francisco. E no reacionário, em a cabra vadia, no óbvio ululante, encontrei sabedoria relacionável, por um espírito independente, aos temas maiores e menores da filosofia e seus autores.
Nas memórias transparece a erudição, e o que pretendo destacar, a sabedoria aplicada, o uso não meramente citacional, a capacidade de absorver e dialogar com aqueles grandes nomes da história da literatura. De tal modo que um filósofo demasiado acadêmico não será capaz de ver esta sabedoria e este estilo aplicados e absorvidos; e, pior, não se sentirá autorizado a reconhece-los em situações aplicadas e cronificadas, ambientadas. Somente um filósofo seguro e capaz de leitura prática e tambem de autoria, poderá reconhecer para todos os outros, sem autoridade e sem autoria, o que sente-se ao ler Nelson.
Se permitem, refiro três autores: Scott Fitzgerald, Nietzsche e Parmênides. Este último dá o âmbito - há dois tipos de verdade: a que está no que é dito, no que se diz; e a que sabemos com o coração. Nelson ouvia sobremaneira, e nos garantia acesso direto ao coração. Passando por riso nervoso, gargalhada, olhos cheios d`água.
Ainda como dificuldade para o intelectual, para reconhecê-lo como filósofo, acrescento em seguida Scott Fitzgerald: em carta para a filha de doze anos, Scottie (depois jornalista), prescreve leitura mensal de um clássico da literatura, ao longo do ano: "como foi com Dickens este mês? - a menos que absorva o estilo, fará apenas citações deslavada (watered-down)". Assim Nelson absorveu os grandes, não os cita, e nos transmite e nos transfere a eles, ampliando exponencialmente a ressonância de suas notas.
Terceiro, expondo ainda esta grandeza de Nelson filósofo e as dificuldades de se ver inicialmente isso, acrescentaria Nietzsche: a psicologia esteve antes e sempre nos autores clássicos - nos maiores, e nos menores. Reconhecê-los e inclui-los no pensamento filosófico é ainda uma necessidade, exigência recíproca da arte ao pensamento; e, uma agudeza para o psicológico, uma capacidade de dizer em poucas linhas o que os outros demoram em páginas, esta atenção ao valor e ao desejo, são as características que identificam Nietzsche a Nelson. E o próprio Nelson: "Se me perguntarem sobre o que fiz de marcante (...) sim, destaquei o óbvio"(Nelson, em O Óbvio ululante).
O óbvio como categoria de pensamento, conceito criado por Nelson, é a atividade própria do filósofo segundo Deleuze: fabricar conceitos. O óbvio, por outro lado, no pensamento, liga-se diretamente à mobilidade psíquica das meditações dinâmicas, presentes no budismo theravada (parente menos badalado do budismo zen, cuja meditação ocorre em tema fixo, e que nos lega parte da imagem associável ao que seja pensamento oriental). Do óbvio espalham e enraizam-se as implicitudes e os assentimentos (noção filosófica estóica) e os assentamentos, que subestruturam os valores e as emocionabilidades abaladoras. Nova grandeza - e nova dificuldade - e inaugurabilidade.
Assim como Sérgio Britto, em entrevista, aguarda uma fantástica ampliação de Nelson, assim esperamos quanto à filosofia - ou pensamento - em Nelson Rodrigues.


Luciano Torcione é leitor do site Nelson Rodrigues e defende a importância da discussão de filosofia

O Amor por Nelson Rodrigues


O que é amor?
Nelson, para você, o que é amor?
Sou uma das raras pessoas das minhas relações que acredita no amor eterno. Já escrevi mil vezes: todo amor é eterno e, se acaba, não era amor. O amor não morre - vivo eu dizendo. Morre o sentimento que é, apenas uma imitação do amor muitas vezes uma maravilhosa imitação do amor.
Diz Oswaldinho, na minha peça Anti-Nelson Roddrigues: “Quando eu a vi, senti que não era a primeira vez, que eu a conhecia de vidas passadas.” Isso quer dizer que só quem ama conhece a eternidade. Isso é romantismo de maneira despudorada. Isso é amor. Sou uma alma da Belle Époque e de vez em quando me pergunto o que é que estou fazendo em 1974.


Mas Nelson, não haverá má fé inconsciente na idéia de que se o amor não é eterno ele não era amor?
O amor eterno pode parecer, de fato, uma justificativa de todas as infidelidades. Procurando o seu amor eterno, o homem não seria fiel a ninguém. Acontece que eu já confessei que nunca fui fiel e considero isso uma mácula que tenho quase como um estigma físico. Mas conheço vários casos de amor eterno.
Um deles: o de meu irmão Mário pela minha cunhada Célia. Morreu Mário e Célia matou-se, para segui-lo. Outro caso: O da minha tia Iaiá pelo meu tio Chico. Este era por assim dizer um bêbado nato e hereditário. Mesmo sem beber, continuava embriagado. Era um homem que, nas suas crises de alcoólatra, enfrentava a polícia montada, derrubando cavalos e enfrentando a multidão. Mas era só Iaiá aparecer para que aquele possesso, de repente e mansamente, saísse atrás dela. Nunca Chico elevou a voz para Iaiá. Sempre foi o homem magnetizado pelo amor: era diante dela um menino patético e tão órfão. Aos 80 anos, ele era um namorado bêbado, mas namorado. E assim ele morreu e assim ela morreu com o amor que continua para além da vida e para além da morte, como Mário e Célia.

E o sexo, não faz parte do amor?
Eu acho o sexo uma coisa tranqüilamente maldita, a não ser quando se dá este acontecimento inacreditável, do sujeito encontrar o amor. Mas um sujeito precisa de quinze encarnações para viver um momento de amor. Porque a mulher amada, nada a obriga a estar na cidade onde a gente mora, a cruzar o nosso caminho. De forma que encontrar a mulher amada é um cínico e deslavado milagre. Então o sujeito não tem o direito de usar o sexo a não ser por amor. E dizer que isto é uma necessidade é uma das maiores burrices que se pode imaginar, porque a gente argumenta, quando fala nesta necessidade, como se o homem fosse o Boogie Woogie, um cachorro da vizinhança que namorava uma cadelinha que eu tinha. O Boogie-Woogie, em certo período, vinha para o meio da rua e ali ficava, os carros passando e o atropelando, e ele lá, firme, enquanto a cadelinha, presa na varanda, ficava olhando. O Boogie-Woogie sim, precisava. Nós não: precisamos é de amor. Eu digo isto como um homem que usou com certa freqüência e que criou esta falsa necessidade de uma atividade sexual normal, que eu não considero normal coisíssima nenhuma.

terça-feira, agosto 28

Cavaleiros do Apocalipse



Ultimamente estou observando muito certas mensagens sobre o fim dos tempos... hehehe... verdade... sobre ofim dos tempos daquilo que diz respeito, obviamente, ao Cavaleiro do Apocalipse que anuncia o grande, cataclisma!!! trocamos notícias diariamente na internet via email, blog, orkut, etc... isso é bom, e tem surtido frutos afinal denunciar é preciso... muitas das notícias que propagamos de certo modo esta fora de nosso âmbito uma atitude mais direta, de qualquer modo a indignação e conscientização já é um grande passo nesses casos. Contudo tem notícias que nos dizem respeito de forma direta, e pior, temos meios para agir contra e o que fazemos? Aí entra os tais"Cavaleiros do Apocalipse" que anunciam tristemente o fim próximo e nada fazem evita-lo!!!


Tudo isso tem me servido de reflexão pessoal para ver se não me encaixo também nesses Cavaleiros do Apocalipse, e me envergonho com a hipótese de viver uma filosofia individualista da qual só entra em palco diante de questões atingem somente a mim (exemplo: minha vida profissional corre perigo então agora sim vou militar, mas de forma bem morna pois afinal tenho minhas contas a pagar).


Isso não é nenhuma indireta a nenhum dos colegas que recebem esses emails... isso é antes de tudo uma realidade geral da qual muitas vezes faço parte. Deixo perguntas... do que serve essa tal razão se na maioria esmagadora das vezes ela é escrava das minhas vontades? Será que a pólis (cidade) é realmente maior das utopias?


É triste ter que admitir que a letra da música abaixo parece mais um sonho infantil desprovido do tal realismo paralisante que substitui a palavra humanidade por indivíduo (ou simplesmente EU)




"Nesta fantasia eu vejo um mundo justo


Ali todos vivem em paz e em honestidade


O sonho das almas que são sempre livres


Como as nuvens que voam


Cheias de humanidade dentro da alma


Na fantasia eu vejo um mundo claro


Lá também a noite é menos escura


Eu sonho que as almas são sempre livres


Como nuvens que voam


Na fantasia existe um vento quente


Que sopra pela cidade como amigo


Eu sonho que as almas são sempre livres


Como nuvens que voam


Cheias de humanidade no fundo da alma"


(Tema do filme "A Missão")




Paradoxal é pensar que essa letra pode parecer completamente rídicula e ingênua justamente para pessoas que crêem firmemente em um parceiro(a) eterno(a) ou mesmo que é posssível ganhar na mega-sena, ou seja, os sonhos no campo do individual é realização!!! agora no campo do coletivo é ingenuidade??? Será que Hobbes tinha mesmo razão em definir o homem como um átomo de egoísmo??? Mas ele ainda tinha fé que a sociedade educaria o homem por causas mais nobres do que realizações próprias!!!

domingo, agosto 26

Síntaxe à Vontade


Sem horas e sem dores

Respeitável público pagão

a partir de sempre

toda cura pertence a nós

toda resposta e dúvida

todo sujeito é livre para conjugar o verbo que quiser

todo verbo é livre para ser direto ou indireto

nenhum predicado será prejudicado

nem tampouco a crase, nem a frase, nem a vírgula e ponto final!

afinal, a má gramática da vida nos põe entre pausas, entre vírgulas

e estar entre vírgulas pode ser aposto

e eu aposto o oposto que vou cativar a todos

sendo apenas um sujeito simples

um sujeito e sua oração

sua pressa e sua prece que a regência da paz sirva a todos nós...

cegos ou não que enxerguemos o fato de termos acessórios para nossa oração

separados ou adjuntos, nominais ou não façamos parte do contexto.

sejamos todas as capas de edição especial

mas, porém, contudo, entretanto, todavia, não obstante

sejamos também a contra-capa

porque ser a capa e ser a contra-capa é a beleza da contradição

é negar a si mesmo e negar a si mesmo é muitas vezes,

encontrar-se com Deus com o teu Deus

sem horas e sem dores que nesse momento que cada um se encontra aqui

agora um possa se encontrar no outro, e o outro no uma

té porque... tem horas que a gente se pergunta...

por que é que não se junta tudo numa coisa só?


O Teatro Mágico

segunda-feira, agosto 6

Pã e Dionísio, os deuses selvagens


Atribui-se a muitos a paternidade de Pã. Evidentemente que foi mencionado também o irrequieto Zeus, mas até hoje ninguém sabe ao certo se foi ele. A verdade parece ser que Pã foi desprezado pelo pai por ser tão feio: mal feito e peludo, tinha chifres, barba, cauda e pés de cabra. Os outros deuses afastavam-se dele por causa do seu aspecto físico e não o consideravam um dos seus, embora pelo nascimento ele talvez fosse um deus e, segundo alguns, ainda mais antigo do que os velhos Titãs.
Pã não parecia importar-se muito, porque era um ser simples e sem ambições. Não aspirava às alturas do Olimpo e gostava de viver com os mortais na Arcádia, rio centro da Grécia do Sul. Esta era uma terra de largas planícies, entremeada de bosques e florestas. A norte existiam altas montanhas, onde Pã vivia a vida de pastor e guardador de gado, cuidando das suas ovelhas, cabras e abelhas. À noite juntava-se dom entusiasmo às festas das ninfas dos bosques e das colinas. Nessa altura tornava-se um pouco selvagem. Gostava imenso de se esconder entre as árvores quando passava um estranho, e assustá-lo com um grito repentino.
Pã pretendeu muitas ninfas, entre elas Sírinx, que fugiu horrorizada para as margens do rio Laden e se transformou em cana para lhe escapar. Incapaz de a distinguir entre tantas canas, Pã cortou um molho delas e fez as flautas com que ainda hoje o vemos.
Só quando a sua grande habilidade como flautista foi conhecida é que os deuses levaram Pã ao Olimpo por uns tempos para lhes ensinar a sua arte. Mas depressa percebeu pelos olhares de troça que não o chamavam senão por isso, e voltou outra vez à Arcádia e à sua vida anterior.
A história do deus Dioniso contrasta totalmente com a do modesto Pã. É uma história de loucuras, roubos e pilhagens, de um deus movido por forças que não conseguia controlar.
Zeus era pai de Dioniso, e a mãe era Sémele, filha do rei de Tiro. A ciumenta mulher de Zeus, Hera, destruiu Sémele com um raie, mas a titã Reia salvou o bebe e entregou-o aos cuidados do rei Átamas, de Tebas, c da sua mulher Ino. Para maior precaução, Dioniso andou sempre disfarçado de rapariga enquanto esteve com eles.
Apesar disso, Hera descobriu o seu paradeiro e enlouqueceu o casal, de forma que, num acesso de fúria, mataram o seu próprio filho,
Dioniso ainda não tinha sofrido nada, mas por ordem de Zeus, Hermes foi rapidamente a Tebas e transformou o rapaz numa cabra, para o esconder melhor. Depois Hermes levou Dioniso durante a noite para o monte Nise, onde as ninfas tomaram conta dele. Dioniso voltou à sua forma humana, mas ficaram-lhe para o resto da vida dois pequenos chifres, como os de um cabrito. Foi enquanto viveu na montanha que ele cultivou a primeira vide e fez uma vinha nas vertentes escarpadas do Sul. Plantava vides em todos os sítios para onde ia, e ficou conhecido como o deus do vinho.
Durante algum tempo tudo parecia correr bem, mas Hera não desistiu de procurar o rapaz e, por fim, encontrou-o. Sem a menor piedade, transtornou-lhe o cérebro, tal como tinha feito com Átamas e Ino, e ele ficou doido.
Dioniso rejeitou então todas as ninfas gentis que tinham tratado dele com tanto cuidado, e escolheu para companheiros os sátiros brutos e sem regras, guiados por Sileno e pelas Ménades As ménades eram mulheres selvagens, com os olhos brilhantes de maldade. Vestidas com peles de animais e armadas de espadas e serpentes, eram horríveis de ver e destruíam tudo o que lhes aparecesse pela frente.
Com o seu estranho bando, o jovem deus vagueou pelos mares, dando batalha e matando sem piedade todo aquele que se atravessasse no seu caminho. Primeiro visitou o Egito, onde as Amazonas se juntaram a ele para devolver o trono ao rei Ámon. Depois seguiu-se uma longa viagem por terra até à índia, onde se deram muitas batalhas sangrentas até toda a terra ser dominada. No Oriente, Dioniso viu muitas paisagens, costumes e animais desconhecidos nesse tempo na terra do seu nascimento, e levou com ele para a Europa os primeiros elefantes, que fizeram a admiração dos Ocidentais.
No regresso de Dioniso, Reia desafiou Hera e tentou livrar o rapaz da loucura, mas parece que era demasiado tarde. Apesar de um pouco mudado, Dioniso não desistiu do seu grupo de sátiros e de Ménades e da vida que faziam juntos. Tinha-se habituado à sua vocação comum, o amor da rebeldia e a vida selvagem, e ao vinho das vides que plantara e tratara.
Dioniso e o seu estranho exército, embora vivendo a combater, nem sempre ganhavam.
Licurgo derrotou-os completamente quando eles invadiram a Trácia, e embora Reia enlouquecesse Licurgo para salvar Dioniso, este apenas escapou à morte atirando-se ao mar, onde a ninfa Tétis o escondeu até passar o perigo.
De maneira mais pacífica, o deus do vinho e os companheiros visitaram Tebas, a principal cidade da Beócia, que fica a alguns dias de viagem a norte de Atenas, As pessoas eram calmas e reservadas, e embora tivessem tentado ser amigos ficaram ofendidos com o comportamento dos sátiros e das Ménades meio embriagados. O povo não viu com bons olhos as danças selvagens que duraram toda a noite na vertente do monte Citéron, por cima da cidade e ninguém pôde dormir por causa da música.
O rei de Tebas sabia que a um deus eram devidas certas liberdades, mas o seu povo sofrera bastante, pelo que mandou prender Dioniso e o seu bando. Mas antes que a ordem fosse executada, Dioniso enlouqueceu-o. Então os sátiros escaparam-se e alvoroçaram, pilharam e mataram por todo o país.
Deixando a Beócia numa confusão, Dioniso navegou para as ilhas Egeias. Dirigiu um navio a Naxos e esteve alguns dias no mar, quando a tripulação, duvidosa da sua identidade, o amarrou ao mastro. Depois voltaram o navio para o porto de Prine, na Ásia Menor, onde tencionavam vendê-lo como escravo.
Depressa viram que tinham cometido um erro, porque Dioniso partiu facilmente as cordas. Ficou uns momentos na sua frente, e começou a aumentar de tamanho. De repente, transformou-se num leão. Um rugido que parecia de mil animais ferozes encheu o ar. Nasceram vides na tolda e entrelaçaram-se nos cordames, e o navio estremeceu como que batido por uma enorme vaga.
Os marinheiros ficaram petrificados e pálidos de susto. Depois, todos à uma, atiraram-se ao mar. E transformaram-se em delfins, nadando por entre as cristas das ondas.
Voltando novamente ao barco, Dioniso navegou mais unia vez para a ilha de Naxos. Ali conheceu e casou com a filha de um rei e, talvez por influência dela, terminou os seus dias mais feliz do que tinha começado. Com o tempo conseguiu libertar a mãe do Mundo Inferior, mudando-lhe o nome de Sémele para Tione, para que Hera não soubesse. Semelhante amor para com os outros era novo em Dioniso e mostrava que a sua vida de maldades terminara.

domingo, agosto 5

O Sábio segundo H.Thoreau


Como pode o homem ser sábio se ele não sabe viver melhor do que os outros homens? -- se ele é apenas mais esperto e mais sutil intelectualmente? A Sabedoria falha? ou ela, por seu exemplo, ensina o modo de ser bem sucedido? Porventura é ela apenas o moleiro que mói uma lógica mais sutil? Platão ganhava sua vida melhor ou com mais sucesso do que seus contemporâneos? Sucumbia ele, como os demais homens, às dificuldades da vida? Predominava sobre os demais apenas pela indiferença, por se dar grandes ares? ou vivia com mais facilidade porque sua tia lembrou-se dele no testamento?

Henry Thoreau (1817-1862)

terça-feira, julho 31

NECROCOMBUSTÍVEIS - Frei Betto


O prefixo grego bio significa vida; necro, morte. O combustível extraído de plantas traz vida? No meu tempo de escola primária, a história do Brasil se dividia em ciclos: pau-brasil, ouro, cana, café etc. A classificação não é de todo insensata. Agora estamos em pleno ciclo dos agrocombustíveis, incorretamente chamados de biocombustíveis. Este novo ciclo provoca o aumento dos preços dos alimentos, já denunciado por Fidel Castro. Estudo da OCDE e da FAO, divulgado a 4 de julho, indica que “os biocombustíveis terão forte impacto na agricultura entre 2007 e 2016.” Os preços agrícolas ficarão acima da média dos últimos dez anos. Os grãos deverão custar de 20 a 50% mais. No Brasil, a população pagou três vezes mais pelos alimentos no primeiro semestre deste ano, se comparado ao mesmo período de 2006.Vamos alimentar carros e desnutrir pessoas. Há 800 milhões de veículos automotores no mundo. O mesmo número de pessoas sobrevive em desnutrição crônica. O que inquieta é que nenhum dos governos entusiasmados com os agrocombustíveis questiona o modelo de transporte individual, como se os lucros da indústria automobilística fossem intocáveis.Os preços dos alimentos já sobem em ritmo acelerado na Europa, na China, na Índia e nos EUA. A agflação – a inflação dos produtos agrícolas – deve chegar, este ano, a 4% nos EUA, comparada ao aumento de 2,5% em 2006. Lá, como o milho está quase todo destinado à produção de etanol, o preço do frango subiu 30% nos últimos doze meses. E o leite deve subir 14% este ano. Na Europa, a manteiga já está 40% mais cara. No México, houve mobilização popular contra o aumento de 60% no preço das tortillas, feitas de milho. O etanol made in USA, produzido a partir do milho, fez dobrar o preço deste grão em um ano. Não que os ianques gostem tanto de milho (exceto pipoca). Porém, o milho é componente essencial na ração de suínos, bovinos e aves, o que eleva o custo de criação desses animais, encarecendo derivados como carne, leite, manteiga e ovos.Como hoje quem manda é o mercado, acontece nos EUA o que se reproduz no Brasil com a cana: os produtores de soja, algodão e outros bens agrícolas abandonam seus cultivos tradicionais pelo novo “ouro” agrícola: o milho lá, a cana aqui. Isso repercute nos preços da soja, do algodão e de toda a cadeia alimentar, considerando que os EUA são responsáveis por metade da exportação mundial de grãos.Nos EUA, já há lobbies de produtores de bovinos, suínos, caprinos e aves pressionando o Congresso para que se reduza o subsídio aos produtores de etanol. Preferem que se importe etanol do Brasil, à base de cana, de modo a se evitar ainda mais a alta do preço da ração. A desnutrição ameaça, hoje, 52,4 milhões de latino-americanos e caribenhos, 10% da população do Continente. Com a expansão das áreas de cultivo voltadas à produção de etanol, corre-se o risco dele se transformar, de fato, em necrocombustível – predador de vidas humanas. No Brasil, o governo já puniu, este ano, fazendas cujos canaviais dependiam de trabalho escravo. E tudo indica que a expansão dessa lavoura no Sudeste empurrará a produção de soja Amazônia adentro, provocando o desmatamento de uma região que já perdeu, em área florestal, o equivalente ao território de 14 estados de Alagoas.A produção de cana no Brasil é historicamente conhecida pela superexploração do trabalho, destruição do meio ambiente e apropriação indevida de recursos públicos. As usinas se caracterizam pela concentração de terras para o monocultivo voltado à exportação. Utilizam em geral mão-de-obra migrante, os bóias-frias, sem direitos trabalhistas regulamentados. Os trabalhadores são (mal) remunerados pela quantidade de cana cortada, e não pelo número de horas trabalhadas. E ainda assim não têm controle sobre a pesagem do que produzem.Alguns chegam a cortar, obrigados, 15 toneladas por dia. Tamanho esforço causa sérios problemas de saúde, como câimbras e tendinites, afetando a coluna e os pés. A maioria das contratações se dá por intermediários (trabalho terceirizado) ou “gatos”, arregimentadores de trabalho escravo ou semi-escravo. Após 1850, um escravo costumava trabalhar no corte de cana por 15 a 20 anos. Hoje, o trabalho excessivo reduziu este tempo médio para 12 anos.O entusiasmo de Bush e Lula pelo etanol faz com que usineiros alagoanos e paulistas disputem, palmo a palmo, cada pedaço de terra do Triângulo Mineiro. Segundo o repórter Amaury Ribeiro Jr, em menos de quatro anos, 300 mil hectares de cana foram plantados em antigas áreas de pastagens e de agricultura. A instalação de uma dezena de usinas novas, próximas a Uberaba, gerou a criação de 10 mil empregos e fez a produção de álcool em Minas saltar de 630 milhões de litros em 2003 para 1,7 bilhão este ano.A migração de mão-de-obra desqualificada rumo aos canaviais – 20 mil bóias-frias por ano - produz, além do aumento de favelas, o de assassinatos, tráfico de drogas, comércio de crianças e de adolescentes destinados à prostituição.O governo brasileiro precisa livrar-se da sua síndrome de Colosso (a famosa tela de Goya). Antes de transformar o país num imenso canavial e sonhar com a energia atômica, deveria priorizar fontes de energia alternativa abundantes no Brasil, como hidráulica, solar e eólica. E cuidar de alimentar os sofridos famintos, antes de enriquecer os “heróicos” usineiros.Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.

quarta-feira, julho 18

Tagore


Se me é negado o amor, por que, então, amanhece;

por que sussurra o vento do sul entre as folhas recém nascidas?

Se me é negado o amor, por que, então,

A noite entristece com nostálgico silêncio as estrelas?

E por que este desatinado coração continua,

Esperançado e louco, olhando o mar infinito?


Rabindranath Tagore

segunda-feira, julho 16

O Andarilho


Quem alcançou em alguma medida a liberdade da razão, não pode se sentir mais que um andarilho sobre a Terra - e não um viajante que se dirige a uma meta final: pois esta não existe. Mas ele observará e terá olhos abertos para tudo quanto realmente sucede no mundo; por isso não pode atrelar o coração com muita firmeza a nada em particular; nele deve existir algo de errante, que tenha alegria na mudança e na passagem.”

NIETZSCHE

Al-Hallâj


O que fazer, se não me reconheço?
Não sou cristão, judeu ou muçulmano.
Se já não sou do Ocidente ou do Oriente; não sou das minas, da terra ou do céu.
Não sou feito de terra, água, ar ou fogo; não sou do Empíreo, do Ser ou da Essência.
Nem da China, da Índia, ou Saxônia,
da Bulgária, do Iraque ou Khorassan.
Não sou do paraíso ou deste mundo,
não sou de Adão e Eva, nem do Hades.
O meu lugar é sempre o não-lugar,
não sou do corpo, da alma, sou do Amado.
O mundo é apenas Um, venci o Dois.
Sigo a cantar e a buscar sempre o Um.
"Primeiro e último, de dentro e fora,
eu canto e reconheço aquele que É.
Ébrio de amor, não sei de céu e terra.
Não passo do mais puro libertino.
Se houver passado um dia em minha vida sem ti, eu desse dia me arrependo.
Se pudesse passar um só instante
contigo, eu dançaria nos dois mundos.
Shams de Tabriz, vou ébrio pelo mundo
e beijo com meus lábios a loucura.

segunda-feira, julho 9

A MAIS NOBRE DAS LINGUAGENS



No coração da pessoa humana o sagrado e o profano disputam o papel de senhores do próprio sentido da existência, daquele significado que torna a angústia fecunda e a dor de viver significativa. Razão e fé se debatem, ora predatórias, ora harmônicas, buscando cada qual ocupar o locus que determina a própria identidade do homem. Esse embate primordial, no qual brota e padece a consciência, não é travado na solidão irremediável dos templos, tampouco na fria lógica dos tubos de ensaio, mas no calor sonoro das sílabas, no estilhaçar das rimas e na fúria silenciosa das verbos que desencadeiam o movimento, ou seja, quando nos referimos à dimensão sagrada da existência, da qual a religião é a grande mestra, não raro, a maior das adversárias, entramos no universo da linguagem e de peculiar potência de expressar algo sem esgotá-lo ou transformar-se nele.
Toda a religião é, antes de tudo, uma forma peculiar de se expressar o mundo, o homem, a natureza e, principalmente, o divino. São as palavras que tecem as ocultas tramas sobre os quais debruça-se a totalidade do existir. Dessa forma, não podemos pensar o divino como algo além de toda a possibilidade lingüística, mesmo se tratando de algo que trafega nas baias do soluto e escapa a toda e qualquer pretensão de ser definido. Todavia, é impossível escapar à constatação de que, mesmo o mais refinado e preciso uso das palavras, podem atingir a essência do sagrado.
A religião, compartilhando do destino da própria linguagem, é radicalmente marcada por esse paradoxo, cujos desdobramentos podem decretar a morte do divino e sua mais completa impossibilidade; jogar-nos na incômoda posição de meros factóides de uma vontade superior e, portanto, soberana; ou, no cenário de uma prática religiosa plena de consciência acerca de sua verdadeira natureza, unir a concretude da vida humana à dinâmica perene e fecundante do sagrado. Tudo isso é uma questão de que tipo de linguagem a religião se propõe a ser e dela se assumir, definitivamente, como tal.
Nada é mais danoso do que uma linguagem corrompida, sobretudo se esta tiver a pretensão de dizer algo acerca das realidades superiores, cujos horizontes fornecem infinitude à existência. A religião pode ser a mais bela, móvel e significativa das linguagens. Todavia, caminha sempre no limites que a impedem de ser a mais opressora e angustiada de todas. Assim, ela pode assumir-se como língua de possessos, tragando para dentro das ilusões mais devastadoras a consciência humana, que dali só pode emergir dilacerada pela insanidade e náufraga na loucura, incapaz de penetrar na imaginação criativa que nos conduz ao sagrado. Também pode assumir-se como linguagem de cegos, vitimada por perseguições, críticas violentas, choques profundos com os sistemas que se outorgam o direito de reger a realidade. Uma linguagem nem sempre apta a escapar dessas tramas secretas nas quais o espírito se vê impedido de alçar vôos maiores e mais necessários.
Entretanto a religião também pode ser palavra declinada pelo amor, em cujos versos move-se livre de amarras e de preconceitos os ser humano. Esta linguagem é o espaço da comunicação integral do homem com Deus, do indivíduo com o outro. É um olhar para dentro de si próprio, e nesse olhar se depara com o divino que lhe habita e que lhe supera.
Muitas palavras são ditas sobre Deus. A religião é basicamente um falar acerca do transcendente, de suas formas, poderes e influência. Dizer a palavra certa e da maneira correta pode ser o pequeno detalhe que separa o homem de sua essência mais radical: apresentar-se como um ser de vastidões, tão pequeno e tão frágil e, ao mesmo tempo, tão imenso e tão forte. Essa é a linguagem do equilíbrio, da justa medida entre o humano e o divino, isto é, são ambos e não são um.

Eros e Tânatos


Quero viver o instante e o momento,
Da posse do teu corpo, ternamente...
Cada beijo, cada toque de ardente
Paixão e prazenteiroso lamento
Que sair dos nossos lábios.
Reter
O fogo dos beijos apaixonados.
O suor dos nossos corpos molhados,
Entre tuas coxas, as minhas.
Meu ser,
Dentro do teu.
Que loucura há no amor,
Que possamos viver tão doce instante...
Desde a alegria do prazer, à dor
Da agonia da morte e da partida.
Este momento é mágico o bastante,
Leveza da morte, retorno à vida !

domingo, julho 8


"E como ousar inflingir a lei do saber

E adentrar o coração de um filósofo?

Como esquentar seu hálito gélido

Iluminar seu coração sombrio?

Como adentrar sua mente certa e seus

Pensamentos concretos e ébrios?

Como transformar sua alma em flor

Suas palavras em amor?

O filósofo tem a alma surda, a mente viva

A língua afiada e o falo ardente.

Mas não é capaz de fazer a vida seguir

Em caminhos tortos, tudo é muito pragmático...

Eu ousei. E me feri. Eu sonhei

E foi em vão...

Seu coração é impenetrável, sua mente, uma pedra

Fria e cheia de saberes que não cessam nunca.

É impossivel transmutar sua razão em música...



"Homenagem da minha irmã Emilia Ract 13/04/2007 - Poesia Registrada

sexta-feira, julho 6

Um pouco de Etienne La Boétie



“Não há dúvidas, pois, de que a liberdade é natural e que, pela mesma ordem e de idéias, todos nós nascemos não só senhores da nossa alforria mas também com condições para a defendermos. Se acaso pusermos isso em dúvida e descermos tão baixo que não sejamos capazes de reconhecer qual o nosso direito e as nossas qualidades naturais, vou ter de vos tratar como mereceis e por os próprios animais a dar-vos lições e a ensinar-vos qual é vossa verdadeira natureza e condição. Só quem for surdo não ouve o que dizem os animais: viva a liberdade! Muitos deles morrem quando os apanham. Como o peixe que, fora da água, perde a vida, também outros animais se negam a viver sem a liberdade que lhes é natural. Se os animais estabelecessem entre si quaisquer grandezas e proeminências, fariam (creio firmemente) da liberdade a sua nobreza. Alguns há que, dos maiores aos menores, ao serem presos, opõem resistência com as garras, os chifres, as patas e o bico, demonstrando assim claramente o quanto prezam a liberdade perdida. E uma vez no cativeiro, dão evidentes sinais do conhecimento que têm da sua desgraça e deixam ver perfeitamente que se sentem mais mortos do que vivos, continuando a viver mais para lamentarem a liberdade perdida do que por lhes agradar a servidão. O que quer dizer o elefante que, depois de se defender até mais não poder, sentindo-se impotente e prestes a ser apanhado, espeta as presas nas árvores e as quebra, assim mostrando o grande desejo que tem de continuar livre como nasceu? Assim dá a entender que deseja negociar com os caçadores, dando-lhes os dentes para que o soltem, entregando-lhes o marfim em penhor da liberdade.” (trecho retirado do livro "Discurso sobre a servidão voluntária")

Esquimós declaram guerra a sorvetes no Canadá



Toronto (Canadá), 5 jul (EFE).- A tribo squamish, uma das nações indígenas do oeste canadense, proibiu a entrada em seu território de vendedores ambulantes de sorvetes como medida para lutar contra a epidemia de diabete que afeta suas comunidades, informou hoje a imprensa local.
Os indígenas canadenses, que se autodenominam com o nome genérico de "primeiras nações", são a comunidade que mais sofre com o alarmante crescimento da incidência de diabete, especialmente do tipo 2, em conseqüência dos hábitos alimentícios e da falta de exercícios.
Doris Paul, encarregada dos serviços familiares e infantis dos squamish, decidiu propor a proibição aos tradicionais vendedores ambulantes de sorvetes para operar na comunidade. A medida entra em vigor agora no início de julho.
As estatísticas da própria Assembléia das Primeiras Nações (AFN, em inglês), grupo que engloba os diferentes povos indígenas do Canadá, são alarmantes.
A diabete afeta entre 3 e 5 vezes mais os indígenas que ao resto dos canadenses. Um entre cada 3 nativos maiores de 55 anos sofre da doença. Metade das crianças indígenas é obesa ou tem diabete.
A população da tribo squamish é de 3.292 pessoas que vivem em aldeias na província da Colúmbia Britânica, ao norte da cidade de Vancouver.
A assistente social considera que os squamish são presa fácil para os vendedores de sorvetes que dirigem caminhonetes constantemente pelas comunidades, especialmente no verão canadense.
"Temos crianças que comem sorvetes duas ou três vezes por dia", declarou ela jornal "North Shore Outlook".
Doris Paul, que sofreu a epidemia de diabete na própria família, acrescentou que não é só uma questão de proibir os sorvetes.
"Temos que educar as crianças em idade de tomar sorvete.
Precisamos educá-los para que eles mesmos ensinem seus pais", acrescentou.
O pai de Doris Paul morreu há poucos meses, com 76 anos, em conseqüência de dificuldades causadas pela diabete. EFE

domingo, janeiro 21

I CONGRESSO DE FILOSOFIA EM SÃO THOMÉ


Zeus volta a ser adorado na Grécia 1.600 anos depois


Levou mais de 1.600 anos, mas o antigo deus grego Zeus voltou a ser adorado, no melhor estilo pagão, por um pequeno grupo de fiéis, neste domingo, num antigo tempo do coração de Atenas, na Grécia. Esta é a primeira cerimônia do tipo registrada no templo de 1.800 anos de Zeus Olímpico desde que a religião pagã foi proibida pelo Império Romano, no final do século IV.
Cerca de 200 pessoas participaram da cerimônia, organizada pela Ellinais, um grupo ateniense que luta para trazer de volta a velha religião. O grupo desafiou uma norma do Ministério da Cultura, que proibiu o acesso à área, no centro de Atenas.
Os adoradores, vestindo fantasias que evocam trajes do passado, recitaram hinos pedindo que Zeus, "rei dos deuses e movedor das coisas", trouxesse paz ao mundo.
"Nossa mensagem é de paz mundial e um modo de vida ecológico, no qual todos têm direito à educação", disse Kostas Stathopoulos, um dos três sacerdotes que supervisionaram o evento, uma celebração do casamento entre Zeus e Hera, a deusa do matrimônio.
A Ellinais, que tem 34 membros registrados, já venceu uma batalha judicial para que a antiga religião grega fosse reconhecida pelo governo. Agora, o grupo quer que a sede seja declarada como local de culto - decisão que poderia permitir aos sacerdotes dos deuses antigos realizar casamentos e outros serviços. (fonte: www.yahoo.com.br)

sexta-feira, janeiro 19

Genes contribuem com inclinação religiosa

da Folha Online
Os genes podem ajudar a determinar de qual religiãouma pessoa será. É o que diz um novo estudo feito nosEstados Unidos. E os efeitos dessa tendência religiosapodem sumir com o tempo, publicou a revista "NemScientist". Até 25 anos atrás, os cientistas diziam que ocomportamento religioso era produto da socialização ouda criação da pessoa. Mas estudos recentes, incluindoeste, realizado com gêmeos adultos que foram criadosseparadamente, sugerem que os genes contribuem emcerca de 40% na religiosidade de uma pessoa. Mas não está claro como essa contribuição muda com osanos. Alguns estudos com crianças e adolescentes --compais biológicos ou adotivos-- mostram que eles tendema espelhar as crenças e comportamentos religiosos dospais com que vivem. O que mostra que os genes têm umpapel pequeno nessa idade. Agora, pesquisadores liderados por Laura Koenig, umapsicóloga da Universidade de Minnesota tenta mostrarcomo os efeitos da natureza e da criação mudam com osanos. Seu estudo sugere que, quando o adolescente vaise tornando adulto, os fatores genéticos tornam-semais importantes na determinação de qual religião apessoa vai seguir que fatores relativos ao meio . O grupo aplicou questionários em 169 pares de gêmeosidênticos (100% iguais geneticamente) e 104 pares degêmeos bivitelinos (com 50% de identidade genética),nascidos em Minnesota. Os gêmeos, todos homens com cerca de 30 anos, foramquestionados acerca de seus hábitos religiosos atuaise as respostas foram comparadas à suas práticasreligiosas da época em que viviam com seus pais.
Revista Galileu: Os genes de Deus Raízes biológicas explicam de onde vem a inclinaçãohumana para a religiosidade e como o cérebroexperimenta a transcendência Camila Artoni Crescimento de 7,5% ao ano das igrejas evangélicasbrasileiras, um milhão de católicos presentes aovelório do papa João Paulo II no Vaticano, conversõesem massa, na Índia, ao hinduísmo: o que esses eventostêm em comum? Dizer "Deus" é apostar em uma respostaarriscada. Se existe um deus, ou vários, ou não, é umdado que a ciência ainda não é capaz de provar, talveznunca seja. Mas por que cremos é algo que já pode sermais bem compreendido. E trabalhos recentes afirmamque as bases da fé estão nos nossos instintosprimitivos, como a nossa tendência natural a comermais do que precisamos, nossa preferência porparceiros fortes e saudáveis para a reprodução e anossa capacidade de ser feliz (ou a falta dela). Até um quarto de século atrás, os cientistasacreditavam que o comportamento religioso era produtoda socialização ou da educação recebida em casa. Não éo que diz a pesquisa de Laura Koenig, psicólogaamericana da Universidade de Minnesota, que acaba dedivulgar o resultado de seus estudos com gêmeos. Emseu relatório, Koenig atribui ao DNA cerca de 40% departicipação no nível de religiosidade de uma pessoa.É um número que impressiona. Para se ter umacomparação, sabe-se que os genes são responsáveis por27% dos casos de câncer de mama, por exemplo. Mais de 250 pares de gêmeos, idênticos enão-idênticos, responderam a perguntas sobre afreqüência de serviços religiosos, orações ediscussões teológicas em suas vidas. Dados sobre paise outros irmãos também foram coletados. Conclusão:quando eram mais novos e conviviam mais com outrosmembros da família, todos tendiam a ter um nível deespiritualidade semelhante, demonstrando forteinfluência do ambiente na decisão; na idade adulta,somente os univitelinos (que têm carga genética 100%igual) continuavam compartilhando os mesmos índices."Quando os filhos saem de casa e entram nauniversidade ou no trabalho, a interferência dos paiscomeça a enfraquecer", diz a pesquisadora. "Nesseponto, temos de tomar as nossas próprias decisões e abiologia passa a falar mais alto." Em suma: sejamoscrentes ou céticos, a "culpa", em grande parte, é danossa genética. A idéia de um "gene de Deus" refere-se ao componenteinato do homem para a espiritualidade. Não significaque exista um gene que faça com que as pessoasacreditem em Deus, e sim que a predisposição a serespiritual (seja seguir preceitos religiosos fechados,acreditar na existência de um ser superior ou buscaruma origem esotérica para o mundo) é herdada por nósgeneticamente. O trabalho de Koenig não é o primeiro a fazer essaproposição. Ano passado, Dean Hamer publicou "The GodGene", livro em que explica como a fé está fortementeconectada ao nosso DNA. Chefe do laboratório debioquímica do Instituto Nacional do Câncer dos EUA,Hamer foi ainda mais longe e deu nome aos bois. Eleafirma que pelo menos um gene específico é responsávelpelo controle das substâncias envolvidas na emoção ena consciência religiosas. Fortes porque crêem É preciso ter cautela aqui. O VMAT2, como é chamado ogene, pode ser importante, mas certamente não respondesozinho pelo funcionamento de algo tão complexo. "Nãohá um gene para a religiosidade", diz Laura Koenig. "Oefeito genético está relacionado, na verdade, aosgenes que influenciam a personalidade. É isso que fazcom que algumas pessoas sejam mais propensas aacreditar em religiões do que outras." Se a religiosidade está mesmo sob influência dagenética, fica implícito que esse traço foiselecionado durante o processo evolutivo. O que nosleva a crer que, provavelmente, trouxe vantagensadaptativas para os primeiros crentes. Algumasdescobertas sugerem quais podem ter sido. Sabe-se quea espiritualidade já foi associada, por exemplo, com ocomportamento altruísta, e a falta dela com índicesmaiores de criminalidade. No plano físico, estudosdemonstram que o otimismo promovido pela fé estárelacionado a uma saúde mais forte, avaliada pelamenor incidência de derrames e enfermidades cardíacas.As taxas de abuso de drogas, alcoolismo, divórcio esuicídio são muito mais baixas entre os religiosos,que também sofrem menos de depressão e ansiedade doque a população em geral, e quando sofrem se recuperammais rápido. Com certeza, traços que ajudaram nossosantepassados a viver mais. Hamer admite que há provavelmente dezenas de outrosgenes, ainda por serem identificados, que desempenhampapéis na capacidade de ser religioso. Mas a origemgenética, insiste, é inegável. Para ele, só umainclinação biológica para a espiritualidade poderiaexplicar o número cada vez maior de adeptos de seitasnão-tradicionais e a presença de centenas de religiõesno mundo inteiro. De fato, a religiosidade faz parteda experiência humana desde sempre. Mais de 30 milanos atrás, nossos ancestrais já pintavam em suascavernas imagens de sacerdotes e feiticeiros. Ao longodos tempos, as fés institucionalizadas e tribais seespalharam de tal forma que não há lugar algum noglobo que escape das estatísticas. Só que o conceito da espiritualidade inata está longede ser consenso. A própria psicologia bate o pé contraisso. Mesmo reconhecendo que os genes possam serdominantes sobre o comportamento, o papel do ambientenão deixa de ser importante. A pesquisadora daUniversidade de Minnesota ressalta esse ponto."Influências do meio continuam tendo alto impactosobre a religiosidade. Os indivíduos de umadeterminada cultura podem ser extremamente observantespor razões culturais, as pequenas variações no nívelde religiosidade entre eles é que se explicam pelagenética", explica Koenig. Essa força universal também foi explicada por outraárea do conhecimento, a psicologia analítica,introduzida pelo psiquiatra suíço Carl Jung(1875-1961). Segundo sua teoria dos arquétipos(conteúdos simbólicos da mente, compartilhados portoda a humanidade), a busca por Deus - ou pelaplenitude, ou por si mesmo - é um elemento básico dapsique humana. Por dentro do cérebro que crê Como a meditação e as orações mexem com a nossaestrutura interna Lobo Frontal - É a parte mais desenvolvida do cérebro,responsável pela concentração, pelas emoções e pelaautoconsciência. Atividade fica acelerada Tálamo - O controlador dos nossos sentidos, esse órgãofoca a nossa atenção pela forma como armazenarinformações coletadas. A meditação reduz o fluxo desinais Lobo Parietal - Região que processa informaçõessensoriais sobre o mundo ao redor, orientando-nos notempo e no espaço. Atividade fica reduzida Formação Reticular - Como sentinela do cérebro, essaestrutura recebe os estímulos que chegam e nos põem emalerta. Estados alterados de consciência o amortizam Experiência universal Em termos religiosos e espirituais, é como se anecessidade de encontrar um sentido místico para avida estivesse impressa na nossa alma. Pessoas que nãosão capazes de crer estariam desconectadas dessanecessidade primordial. Enquanto as ciências humanas explicam a fé como umprocesso cognitivo, a abordagem neurológica vai emoutra direção. Andrew Newberg, da Universidade daPensilvânia, decidiu olhar para os rastros daespiritualidade no cérebro. Usando imageamentocerebral, ele pôde ver de perto o que acontece quandoalguém medita ou reza. Medindo o fluxo da correntesanguínea dos voluntários, avaliou que áreas eramresponsáveis pela sensação de transcendência. Quanto mais fundo as pessoas vão na prática, descobriuNewberg, mais ativos ficam o lobo frontal e o sistemalímbico. O primeiro é onde se localiza nossacapacidade de concentração e atenção; o segundo é ondesentimentos poderosos, inclusive o êxtase religioso,são processados. Ao mesmo tempo, a região que controlanossas noções de tempo e espaço fica entorpecida. Acombinação desses efeitos é uma experiência espiritualriquíssima. "Deus não é resultado de um processo deraciocínio", diz o neurocientista. "Ele foi descobertomisticamente, pelo próprio maquinário cerebral. Ohomem não inventou Deus, o experimentou." Estágios da fé Genes à parte, a espiritualidade não tem um botão quepode ser ligado e desligado, e uma tendência a crernão significa garantia de vida religiosa estávelfeliz. De acordo com o professor de teologia JamesFowler, o desenvolvimento dessa área da vida segue opadrão de qualquer outro processo psicológico humano,ou seja, acontece por fases. A jornada religiosacompleta começaria na infância, a partir de um estágioem que vemos o mundo como mágico, e seguiria até umasexta etapa, em que o crente é um místico capaz deexperimentar um profundo senso de unidade com ouniverso. E Deus nessa história? A maioria dos teólogos recusa-se a aceitar que aexperiência de Deus seja reduzida a reações químicasno cérebro. Em geral, as religiões preferem a idéia deuma revelação vinda "de cima". Para a ciência, acomprovação de uma origem genética para a fé e omapeamento da crença no cérebro não dizem nada sobre aexistência de Deus. As pesquisas apenas explicam porque há diferentes graus de envolvimento religiosoentre as pessoas e que tipo de elevação provam aquelesque crêem. Mas tudo isso pode, ainda, ser invenção de Deus. Háquem defenda até que os genes façam parte dosofisticado projeto divino para a humanidade. Enquantoas origens e os efeitos da religiosidade podem sermedidos pela ciência, a existência de Deus, só pelafé. Mas isso não significa ter de mantê-las separadas.Como bem apontou Albert Einstein, a ciência semreligião é manca e a religião sem ciência é cega. Para ler • "The God Gene", Dean Hamer. Doubleday. 2004 • "Why God Won't Go Away", Andrew Newberg. Ballantine.2002 • "Religion Explained", Pascal Boyer. Basic Books.2001 http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT954012-2989-1,00.html

quinta-feira, janeiro 18

OS RUMOS DO MERCOSUL

Por Julio César Villaverde
RIO DE JANEIRO (Reuters)
O estremecido Mercosul enfrenta nesta semana importantes desafios para fazer frente a persistentes ameaças à sua unidade e ao caminho traçado quando começou a funcionar, há mais de uma década.Diferenças entre dois sócios levadas ao tribunal de Haia, medidas polêmicas anunciadas por seu membro mais recente e questionado, a Venezuela, e o possível ingresso da Bolívia como membro pleno são alguns dos desafios.A estas dificuldades soma-se a batalha do presidente venezuelano, Hugo Chávez, para dar um perfil mais ideológico ao Mercosul --que seria reforçado com a chegada de seu colega boliviano, Evo Morales--, e o crescente desencanto do Paraguai e do Uruguai, os menores membros do bloco.Ao Brasil, como sócio maior, caberia a responsabilidade de lidar com tais conflitos e exercer sua liderança natural para proteger a união aduaneira, algo que inclusive lhe foi pedido pelo Uruguai."Realmente o estado de ânimo do Mercosul tem sido um pouco beligerante nos últimos dias", disse à Reuters o diretor da Associação de Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, ao ressaltar esses antecedentes.O bloco --que é composto por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela-- realizará uma reunião de cúpula na sexta-feira, em um luxuoso hotel do Rio de Janeiro, na qual poderão ser abordados os desafios aos rumos da união aduaneira, estabelecida em janeiro de 1995.O encontro será precedido na quinta-feira por uma reunião para a qual, além dos chefes de governo do Mercosul, foram convidados os dos países associados --Bolívia, Chile, Equador, Colômbia e Peru--, e do Panamá, Suriname e Guiana.
BLOCO ECONÔMICO OU IDEOLÓGICO?
Na quinta-feira, também se reunirão os ministros de Relações Exteriores e de Economia do Mercosul, que, segundo a agenda, discutirão medidas para aliviar os efeitos negativos das assimetrias dos sócios, que afetam, sobretudo, Paraguai e Uruguai.Os dois países se mostraram descontentes com o bloco e insinuaram que poderiam abandoná-lo se lhes fosse permitido firmar acordos de comércio extra-regionais, algo vedado pelo bloco.A reunião ministerial, no marco do chamado Conselho do Mercado Comum (CMC), também analisará uma carta de Morales propondo que a Bolívia integre o bloco como membro pleno.A aceitação ao pedido de Morales, um amigo e sócio de Chávez, aumentaria a influência do líder venezuelano, que tomou posse para um terceiro mandato na semana passada prometendo levar seu país ao socialismo, inclusive com a entrega de sua vida.Também se espera que outro socialista declarado e amigo de Chávez, o novo mandatário do Equador, Rafael Correa, peça o ingresso de seu país como membro pleno do Mercosul.Para alguns analistas, esses não são bons ventos para o bloco e desafiam em particular a Lula, que segue uma linha de centro-esquerda que equilibra uma política econômica ortodoxa com medidas de ajuda aos mais pobres."A entrada da Venezuela no Mercosul (em julho), se for analisada economicamente, é bem-vinda. Politicamente é que se gera uma certa insegurança", disse Castro."Meu receio é que o Mercosul seja transformado em um bloco ideológico e não econômico... a eventual vinda do Equador e da Bolívia neste momento seria ideológica e não econômica", acrescentou.Para ele, o Brasil, como líder regional, deve dar o exemplo e tomar decisões dizendo "exatamente se o Mercosul é um bloco econômico, um bloco político ou um bloco ideológico", complementou.
IRMÃOS EM LITÍGIO Além disso, a reunião de cúpula verá a Argentina e o Uruguai em litígio na Corte Internacional de Haia pela construção de uma fábrica de celulose em território uruguaio, sobre o limítrofe rio Uruguai, que enfrenta resistência argentina por seu possível efeito negativo sobre o meio ambiente.Pouco antes da reunião, o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, deixou em evidência a tensão das relações, inédita para países vizinhos e com uma raiz histórica comum."Encontrar-nos, nós vamos, porque estaremos no mesmo ambiente. Não está marcado nenhum encontro bilateral", disse friamente Vázquez sobre uma eventual reunião no Rio de Janeiro com seu colega argentino Néstor Kirchner.O Mercosul e o próprio Brasil se mostraram omissos no caso, expondo limitações no sistema jurídico do bloco e na liderança do maior sócio.O chanceler brasileiro, Celso Amorim, disse recentemente que seu país se absteria de fazer uma mediação entre Argentina e Uruguai, indicando que "devem falar (entre) eles" para buscar uma solução às suas diferenças.
[meu comentário]Na verdade existe um outro dado que deixa essa reportagem com um certo receio do novo mercosul. Um dos assuntos em pauta, que não está mencionado no texto acima, é a criação do Banco Sul, o qual substituiria instituições internacionais como o FMI. Acompanhem as várias fontes sobre o assunto durante a semana.

segunda-feira, janeiro 15

Uma novo horizonte latino-americano com a posse de Rafael Correa


Enquanto analistas políticos equatorianos ainda têm dúvidas em relação à tendência que será adotada pelo novo presidente do país, Rafael Correa, que toma posse nesta segunda-feira em Quito, ele próprio demonstrou se sentir muito à vontade com a linha anti-EUA e de nacionalização de seus colegas da Venezuela, Hugo Chávez, e da Bolívia, Evo Morales.
Os três passaram o domingo juntos no Equador, onde Morales e Chávez acompanham a cerimônia desta segunda, e mostraram porque são considerados os mais radicais representantes da esquerda que consolida seu crescimento na América Latina. Ao tomar posse simbólica na comunidade indígena Zumbahua, na província de Cotopaxi, Correa reafirmou seu discurso contra o neoliberalismo e, assim como Chávez, exaltou a “nova esquerda do continente”.
"Como um milagre foram derrubados os governos servis, as democracias de papel, o modelo neoliberal, e começou a surgir a América Latina altiva, livre, soberana, justa e socialista do século XXI. O servilismo, o entreguismo estão sendo jogados na lata de lixo da história", disse Correa.
Correa, Morales e Chávez usaram ponchos de lã de ovelha confeccionados pelos indígenas Zumbahua, comunidade na qual o presidente equatoriano trabalhou na juventude como voluntário da ordem salesiana. Em seu discurso, Chávez pregou a integração latino-americana e defendeu um bloco econômico “bolivariano” como alternativa à Alca, a área de livre comércio proposta pelos EUA.
"A Alca pode ir para o inferno. O imperialismo americano precisa cair, a América Latina precisa se unir", disse Chávez, afirmando que agora a esquerda “ressuscitou no continente” e chamando Correa de líder comprometido com o povo pobre do Equador e com a união latino-americana.
Assim como Chávez, que assustou investidores internacionais na semana passada ao afirmar que nacionalizará os setores energético e elétrico, Correa promete rever todos os contratos das empresas petrolíferas estrangeiras que operam no Equador e prometeu suspender os pagamentos da dívida externa do país caso não consiga negociar melhores condições.
O presidente de Honduras, Manuel Zelaya, aparentemente também seguindo Chávez e Morales, anunciou que seu governo tomará os terminais de armazenamento de petróleo das empresas estrangeiras. Zelaya disse que a ação é apenas temporária.
Secretário de Comércio dos EUA e representante do presidente George W. Bush na posse, Carlos Gutierrez disse, em sua chegada a Quito, que não espera qualquer problema entre os dois países: "Somos amigos há muito anos e esperamos ter uma amizade com benefícios mútuos por muitos anos".
Assim como Morales na Bolívia, Correa quer mudar a Constituição e, para isso, um de seus primeiros atos será a convocação de uma consulta popular sobre a Assembléia Constituinte, que enfrenta forte resistência no Congresso. Desde a campanha eleitoral, Correa faz fortes críticas à Constituição do Equador — que classificou de incoerente, contraditória e neoliberal — e ao Congresso.
A posse do oitavo presidente equatoriano desde a redemocratização, em 1979, atraiu autoridades latino-americanas, européias e árabes. Além de Chávez e Evo, participarão da posse, o príncipe das Astúrias, Felipe de Borbón; a presidente do Chile, Michele Bachelet; os presidentes de Peru, Alan García; Paraguai, Nicanor Duarte; Colômbia, Alvaro Uribe; e Nicarágua, Daniel Ortega. E representantes de Cuba, Costa Rica e Argélia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega hoje pela manhã a Quito.
Apesar da presença de chefes de Estado amigos de Correa, como Lula, Evo e Chávez, o que causa mais polêmica no Equador é a presença do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. A comunidade judaica em Quito protestou contra a presença de Ahmadinejad, que prega a destruição de Israel e disse que o Holocausto é um mito. A participação do iraniano na posse seria o motivo da ausência do presidente da Argentina, Néstor Kirchner — o governo do Irã é acusado por promotores argentinos de ter apoiado o atentado na AMIA, em 1994, que matou 85 pessoas.
Até este momento, fontes dizem que o governo brasileiro não tem motivos para desconfiar das ações do novo presidente equatoriano. Logo depois de eleito, Correa foi recebido por Lula, disse querer entrar no Mercosul e estar satisfeito com a atuação de empresas brasileiras no seu país.
Ex-ministro da Fazenda do governo tampão de Alfredo Palacio, que entregará hoje o poder depois de 20 meses no poder, Correa disse que manterá a dolarização da economia do país, mas pretende adotar medidas radicais para acabar com a pobreza, a corrupção, a crise institucional e a concentração de renda que assolam o país. (Fonte: O Globo)

quarta-feira, janeiro 10

Uma nova república socialista?


O presidente reeleito da Venezuela, Hugo Chávez, tomaposse nesta quarta-feira para seu novo mandato, quevai até 2013, com promessas de uma radical revolução socialista e de nacionalizações, que já derrubaram os mercados financeiros.Animado por sua tranquila vitória eleitoral dedezembro, o líder antiamericano vem flertando audaciosamente com as polêmicas: recusou-se a renovara concessão de uma rede de TV oposicionista e prometeuassumir o controle de empresas importantes, algumasdas quais de capital estrangeiro."Estamos avançando para uma república socialista da Venezuela", disse Chávezna segunda-feira, quando anunciou políticas como o fimda autonomia do Banco Central e um pedido ao Congressopara que o presidente tenha poderes legislativosespeciais.Os mercados financeiros reagiram à guinada de Chávezainda mais à esquerda. A Bolsa perdeu quase um quintodo seu valor na terça-feira, os títulos da dívidacaíram a seu menor valor em seis semanas, e a moedalocal foi vendida a quase o dobro da taxa oficial.A oposição acusa Chávez, no poder desde 1999, detentar transformar o país, grande exportador depetróleo, em uma economia centralizada, ao estilocubano.Reeleito com 63 por cento dos votos em dezembro, opresidente estimulou ainda mais as comparações comFidel Castro ao anunciar a formação de um partidoúnico para apoiá-lo, embora declare que sempre vaitolerar a oposição.Chávez já controla o Parlamento e o Judiciário, eafirma que apenas seus seguidores devem ser admitidosno Exército e na estatal petrolífera PDVSA. A mídia ea infra-estrutura, seus novos alvos, são dois setoresque poderiam completar seu controle sobre o Estado.O presidente diz necessitar de mais poderes parasalvar a Venezuela da exploração e mesmo de um ataquede países capitalistas, especialmente os EstadosUnidos.Ainda não se sabe se o governo pretende assumir ocontrole de 51 por cento das empresas energéticas ouestatizá-las totalmente. Entre as empresasestrangeiras ameaçadas pela decisão estão Chevron,Exxon Mobil, ConocoPhillips, Statoil e Total.Chávez já confiscou enormes fazendas de pecuária,algumas de propriedade estrangeira, para distribuirterras aos pobres."Ele está falando como o mestre da Venezuela, tentandoguiar a Venezuela para a escuridão", disse o líderoposicionista Manuel Rosales.Já o chanceler Nicolás Maduro defendeu os planos deChávez. "Esta é uma missão de resgate para a soberaniada Venezuela."