domingo, janeiro 20

Paulo Freire em Dose Única!!!



"Sou professor a favor da decência contra o despudor,

a favor da liberdade contra o autoritarismo,

da autoridade contra a licenciosidade,

da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda.

Sou professor a favor da luta constante

contra qualquer forma de discriminação,

contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais.

Sou professor contra a ordem capitalista vigente

que inventou esta aberração: a miséria na fartura.

Sou professor a favor da esperança

que me anima apesar de tudo.

Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza.

Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática,

boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar,

se não brigo por este saber,

se não luto pelas condições materiais necessárias

sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar

e de já não ser testemunho que deve ser de lutador pertinaz,

que cansa, mas não desiste."

(Paulo Freire)

terça-feira, janeiro 8

Filósofos de gabinete, filósofos de jardim


Argumentava que a filosofia se verifica na primazia do interesse cognitivo, na escolha de uma construção, de uma imagem do mundo, num princípio indutivo, auxiliado por várias outras operações lógicas e matemáticas que a teoria da cognição contemporânea tem observado e estudado cada vez mais, fazendo lentamente dilatar e modificar a compreensão do nosso potencial racional e cognitivo.Vamos descobrindo que nossos cálculos, nossas induções e apontamentos, são superáveis em outros momentos do tempo, que nossa lógica evolui cada vez mais (desde que nos esforcemos, é claro) e que somos capazes de detectar erros, aprofundando via atenção, assuntos que não têm um limite estabelecido, conhecido. É a forma como evolui a filosofia, a consciência.Em 1998 eu estudava um detalhe meditando sobre a obra do filósofo francês Alain Badiou, quanto ao "status lógico do procedimento de antecipação de hipóteses (pré-juízos) para gerar o conhecimento". Estava já bastante ciente da quantidade de imaginação, de "livre lance de dados" (pré-lógicos ou a-lógicos), de "invenção fortuita do caminho"- entravam no amálgama do que chamamos conhecimento, na formação e evolução da consciência. Achava naquela época que este era o atual "problema da indução", já enunciado por Popper, quando passamos a induzir pontos, "premissas", que logicamente e a priori não se justificam, não se encontram, não são possíveis.Passava a ver, desde então, que o conhecimento edificava e justificava a pessoalidade, o sujeito, mesmo havendo pontos "exteriores" de apoio. Em resumo, o conhecimento estava ancorado numa vida, e dali vinha sua lógica. Na época, minhas esperanças com a filosofia eram a de ancorar numa atividade lógica.Do que seria capaz essa vida, o sujeito, para amparar suas vontades, ou em outras palavras, sua opinião, sua doxa natural, como ele acha que são as coisas, ou a que sua intuição natural o leva a crer e induzir, é uma conversa extensa. É que Paul Feyerabend chamava de vale-tudo.Tenho descoberto por meio dessas reflexões que a ciência - o estar ciente, a maneira de ver as coisas, de nomear e estruturar o mundo, a consciência praticada pelo indivíduo - é um assunto sujeitual, individual, único. Ainda me interesso pela defesa de um organograma para a filosofia, mas não de um tipo que procura enunciados finais, fixos, sobre a realidade. Pelo contrário, interessa-me a argumentação de um "estatuto" para a filosofia embasado justamente na observação da inexistência de pontos finais, moldes fixos, padrões recorrentes e nivelamentos.Parece que os padronamentos são sempre forçosos.
Esta perspectiva elabora portanto uma noção diversa sobre o conhecimento. Espécie de "construção firme, em terreno incerto", ela parece evoluir negando, estruturar - negando. Nela não se acredita na possibilidade de apontamentos definitivos (juízos de valor) à realidade, mas se mantém a idéia de que tais apontamentos são, na verdade, absurdos perante a lógica-crítica. Se são propostos apontamentos, isso é feito por mecanismos indutivos, pré-lógicos ou a-lógicos. Eles são sempre proposições sujeituais, não-objetivas, ou seja, partem de sujeitos ou indivíduos. A "objetividade" proposta (e para isso temos vários mecanismos como argumentação, contextuação, necessidade, repetição, etc) parece ser sempre meio.Assim, na filosofia, na vida, onde quer que haja conceitos - idéias -, as proposições são sempre sujeituais. Partem do indivíduo.Isto significa ademais, que não existe objetivo pré-concebido na vida. Tudo depende do apontamento. Quem o faz é o sujeito. E ele não é realmente obrigado a fazê-lo. Pode querer por exemplo, permanecer "vazio", cético e crítico. E parece haver maneiras criativas de sê-lo. Um exemplo é Sócrates, que dizia nada saber.
Nietzsche observou: "estamos inclinados a afirmar por princípio, que sem um deixar valer as ficções lógicas, (...) o homem não poderia viver".
Ficções lógicas são imaginações, delírios ensaístas do ser humano, pré-juízos. Constantes antecipações mentais.Nietzsche fora genial ao perceber que sem essas ficções lógicas (vontades, imaginação, inclinações, buscas, sonhos), nossa aventura com o conhecimento, com a vida, não seriam possíveis. Elementos a-lógicos (um tipo de ilusão), sonhos e vontades, parecem compor parte do material indispensável para a edificação e evolução do conhecimento e da consciência, proporcionando-nos seu funcionamento. Sem tais elementos, é mesmo difícil imaginar a vida. As ficções são altamente individuais.
Considero portanto, que a consciência se constitui através de duas maneiras, geralmente consideradas. Ela pode manifestar-se como consciência crítica, cética ou analítica, em geral anti-dogmática, sendo a epoché - suspensão de juízos de valor - o máximo a que conseguimos chegar com este tipo de investida. (Eu costumava chamar isso de "lógica pura").Segundo esta perspectiva, quem quer que se aventure a pronunciar algo estará absolutamente em erro, visto que a estruturação cognitiva sempre está mesclada de pré-juízos, vontades, antecipações, forçamentos.Este tipo de filosofia todavia, parece empreender seu conhecimento por vigília, por negação e reprimenda aos saberes poéticos, tornando-se ocupada em vigiar suas próprias construções (auto-crítica) e as dos outros. Ela pode facilmente criar uma tirania da razão pura. Um império cético.
Este tipo de pensamento, tende a considerar filósofos aqueles que chegam a perceber que objetivamente o conhecimento é nada. Aqueles que se deparam com sua "razão crítica não indutiva", puramente crítica, e que não querem - nunca quiseram - propor conhecimentos. Lançaram-se um dia simplesmente a uma pesquisa lógica, de cunho analítico, com uma intenção de imparcialidade. Há aí o privilégio da via analítica, estrutural da filosofia, do conhecimento por reflexão ponderada entre termos, entre antinomias, entre a dialética do mundo, do dia-a-dia, dos momentos diversos que constituem a vida.Contudo, a filosofia (consciência) também pode - e esta é sua segunda maneira geral de manifestação - usando da imaginação, tecer inumeráveis hipóteses (antecipadas à experiência e ao conceito) sobre qualquer coisa, onde a poética, o livre - imaginar, o juízo hipotético (e não sua suspensão) são as próprias asas, a própria fonte do sentido. Esta é uma forma propositora de filosofia, que anima-se em formular hipóteses. Aí se manifesta a invenção da metafísica. Na necessidade constante de preencher o vazio constatado pela razão crítica, que observa a "falta de um sentido prévio e dado" na vida.
Temos aí duas formas de pensar, dois modos gerais de manifestação da consciência que, contudo, mesclam-se para produzir a ciência, a consciência. Se a primeira é radical, cética e crítica, a segunda é sonhadora, nada crítica e in-consequente; isto é, suas construções não advém de conseqüências lógicas, mas de um tipo de criação conceitual, onde não são necessárias premissas. Colocam-se deliberadamente premissas.
A própria possibilidade de propor conceitos e levá-los adiante está submetida a essas duas naturezas. A estruturação de sentidos por exemplo.Acho que estas são descrições que situam a compreensão de boa parte da estrutura da consciência humana como é hoje praticada.Elas fazem parte de minha tentativa de fornecer um organograma contemporâneo para a filosofia.
C. Veronese