sexta-feira, janeiro 19

Genes contribuem com inclinação religiosa

da Folha Online
Os genes podem ajudar a determinar de qual religiãouma pessoa será. É o que diz um novo estudo feito nosEstados Unidos. E os efeitos dessa tendência religiosapodem sumir com o tempo, publicou a revista "NemScientist". Até 25 anos atrás, os cientistas diziam que ocomportamento religioso era produto da socialização ouda criação da pessoa. Mas estudos recentes, incluindoeste, realizado com gêmeos adultos que foram criadosseparadamente, sugerem que os genes contribuem emcerca de 40% na religiosidade de uma pessoa. Mas não está claro como essa contribuição muda com osanos. Alguns estudos com crianças e adolescentes --compais biológicos ou adotivos-- mostram que eles tendema espelhar as crenças e comportamentos religiosos dospais com que vivem. O que mostra que os genes têm umpapel pequeno nessa idade. Agora, pesquisadores liderados por Laura Koenig, umapsicóloga da Universidade de Minnesota tenta mostrarcomo os efeitos da natureza e da criação mudam com osanos. Seu estudo sugere que, quando o adolescente vaise tornando adulto, os fatores genéticos tornam-semais importantes na determinação de qual religião apessoa vai seguir que fatores relativos ao meio . O grupo aplicou questionários em 169 pares de gêmeosidênticos (100% iguais geneticamente) e 104 pares degêmeos bivitelinos (com 50% de identidade genética),nascidos em Minnesota. Os gêmeos, todos homens com cerca de 30 anos, foramquestionados acerca de seus hábitos religiosos atuaise as respostas foram comparadas à suas práticasreligiosas da época em que viviam com seus pais.
Revista Galileu: Os genes de Deus Raízes biológicas explicam de onde vem a inclinaçãohumana para a religiosidade e como o cérebroexperimenta a transcendência Camila Artoni Crescimento de 7,5% ao ano das igrejas evangélicasbrasileiras, um milhão de católicos presentes aovelório do papa João Paulo II no Vaticano, conversõesem massa, na Índia, ao hinduísmo: o que esses eventostêm em comum? Dizer "Deus" é apostar em uma respostaarriscada. Se existe um deus, ou vários, ou não, é umdado que a ciência ainda não é capaz de provar, talveznunca seja. Mas por que cremos é algo que já pode sermais bem compreendido. E trabalhos recentes afirmamque as bases da fé estão nos nossos instintosprimitivos, como a nossa tendência natural a comermais do que precisamos, nossa preferência porparceiros fortes e saudáveis para a reprodução e anossa capacidade de ser feliz (ou a falta dela). Até um quarto de século atrás, os cientistasacreditavam que o comportamento religioso era produtoda socialização ou da educação recebida em casa. Não éo que diz a pesquisa de Laura Koenig, psicólogaamericana da Universidade de Minnesota, que acaba dedivulgar o resultado de seus estudos com gêmeos. Emseu relatório, Koenig atribui ao DNA cerca de 40% departicipação no nível de religiosidade de uma pessoa.É um número que impressiona. Para se ter umacomparação, sabe-se que os genes são responsáveis por27% dos casos de câncer de mama, por exemplo. Mais de 250 pares de gêmeos, idênticos enão-idênticos, responderam a perguntas sobre afreqüência de serviços religiosos, orações ediscussões teológicas em suas vidas. Dados sobre paise outros irmãos também foram coletados. Conclusão:quando eram mais novos e conviviam mais com outrosmembros da família, todos tendiam a ter um nível deespiritualidade semelhante, demonstrando forteinfluência do ambiente na decisão; na idade adulta,somente os univitelinos (que têm carga genética 100%igual) continuavam compartilhando os mesmos índices."Quando os filhos saem de casa e entram nauniversidade ou no trabalho, a interferência dos paiscomeça a enfraquecer", diz a pesquisadora. "Nesseponto, temos de tomar as nossas próprias decisões e abiologia passa a falar mais alto." Em suma: sejamoscrentes ou céticos, a "culpa", em grande parte, é danossa genética. A idéia de um "gene de Deus" refere-se ao componenteinato do homem para a espiritualidade. Não significaque exista um gene que faça com que as pessoasacreditem em Deus, e sim que a predisposição a serespiritual (seja seguir preceitos religiosos fechados,acreditar na existência de um ser superior ou buscaruma origem esotérica para o mundo) é herdada por nósgeneticamente. O trabalho de Koenig não é o primeiro a fazer essaproposição. Ano passado, Dean Hamer publicou "The GodGene", livro em que explica como a fé está fortementeconectada ao nosso DNA. Chefe do laboratório debioquímica do Instituto Nacional do Câncer dos EUA,Hamer foi ainda mais longe e deu nome aos bois. Eleafirma que pelo menos um gene específico é responsávelpelo controle das substâncias envolvidas na emoção ena consciência religiosas. Fortes porque crêem É preciso ter cautela aqui. O VMAT2, como é chamado ogene, pode ser importante, mas certamente não respondesozinho pelo funcionamento de algo tão complexo. "Nãohá um gene para a religiosidade", diz Laura Koenig. "Oefeito genético está relacionado, na verdade, aosgenes que influenciam a personalidade. É isso que fazcom que algumas pessoas sejam mais propensas aacreditar em religiões do que outras." Se a religiosidade está mesmo sob influência dagenética, fica implícito que esse traço foiselecionado durante o processo evolutivo. O que nosleva a crer que, provavelmente, trouxe vantagensadaptativas para os primeiros crentes. Algumasdescobertas sugerem quais podem ter sido. Sabe-se quea espiritualidade já foi associada, por exemplo, com ocomportamento altruísta, e a falta dela com índicesmaiores de criminalidade. No plano físico, estudosdemonstram que o otimismo promovido pela fé estárelacionado a uma saúde mais forte, avaliada pelamenor incidência de derrames e enfermidades cardíacas.As taxas de abuso de drogas, alcoolismo, divórcio esuicídio são muito mais baixas entre os religiosos,que também sofrem menos de depressão e ansiedade doque a população em geral, e quando sofrem se recuperammais rápido. Com certeza, traços que ajudaram nossosantepassados a viver mais. Hamer admite que há provavelmente dezenas de outrosgenes, ainda por serem identificados, que desempenhampapéis na capacidade de ser religioso. Mas a origemgenética, insiste, é inegável. Para ele, só umainclinação biológica para a espiritualidade poderiaexplicar o número cada vez maior de adeptos de seitasnão-tradicionais e a presença de centenas de religiõesno mundo inteiro. De fato, a religiosidade faz parteda experiência humana desde sempre. Mais de 30 milanos atrás, nossos ancestrais já pintavam em suascavernas imagens de sacerdotes e feiticeiros. Ao longodos tempos, as fés institucionalizadas e tribais seespalharam de tal forma que não há lugar algum noglobo que escape das estatísticas. Só que o conceito da espiritualidade inata está longede ser consenso. A própria psicologia bate o pé contraisso. Mesmo reconhecendo que os genes possam serdominantes sobre o comportamento, o papel do ambientenão deixa de ser importante. A pesquisadora daUniversidade de Minnesota ressalta esse ponto."Influências do meio continuam tendo alto impactosobre a religiosidade. Os indivíduos de umadeterminada cultura podem ser extremamente observantespor razões culturais, as pequenas variações no nívelde religiosidade entre eles é que se explicam pelagenética", explica Koenig. Essa força universal também foi explicada por outraárea do conhecimento, a psicologia analítica,introduzida pelo psiquiatra suíço Carl Jung(1875-1961). Segundo sua teoria dos arquétipos(conteúdos simbólicos da mente, compartilhados portoda a humanidade), a busca por Deus - ou pelaplenitude, ou por si mesmo - é um elemento básico dapsique humana. Por dentro do cérebro que crê Como a meditação e as orações mexem com a nossaestrutura interna Lobo Frontal - É a parte mais desenvolvida do cérebro,responsável pela concentração, pelas emoções e pelaautoconsciência. Atividade fica acelerada Tálamo - O controlador dos nossos sentidos, esse órgãofoca a nossa atenção pela forma como armazenarinformações coletadas. A meditação reduz o fluxo desinais Lobo Parietal - Região que processa informaçõessensoriais sobre o mundo ao redor, orientando-nos notempo e no espaço. Atividade fica reduzida Formação Reticular - Como sentinela do cérebro, essaestrutura recebe os estímulos que chegam e nos põem emalerta. Estados alterados de consciência o amortizam Experiência universal Em termos religiosos e espirituais, é como se anecessidade de encontrar um sentido místico para avida estivesse impressa na nossa alma. Pessoas que nãosão capazes de crer estariam desconectadas dessanecessidade primordial. Enquanto as ciências humanas explicam a fé como umprocesso cognitivo, a abordagem neurológica vai emoutra direção. Andrew Newberg, da Universidade daPensilvânia, decidiu olhar para os rastros daespiritualidade no cérebro. Usando imageamentocerebral, ele pôde ver de perto o que acontece quandoalguém medita ou reza. Medindo o fluxo da correntesanguínea dos voluntários, avaliou que áreas eramresponsáveis pela sensação de transcendência. Quanto mais fundo as pessoas vão na prática, descobriuNewberg, mais ativos ficam o lobo frontal e o sistemalímbico. O primeiro é onde se localiza nossacapacidade de concentração e atenção; o segundo é ondesentimentos poderosos, inclusive o êxtase religioso,são processados. Ao mesmo tempo, a região que controlanossas noções de tempo e espaço fica entorpecida. Acombinação desses efeitos é uma experiência espiritualriquíssima. "Deus não é resultado de um processo deraciocínio", diz o neurocientista. "Ele foi descobertomisticamente, pelo próprio maquinário cerebral. Ohomem não inventou Deus, o experimentou." Estágios da fé Genes à parte, a espiritualidade não tem um botão quepode ser ligado e desligado, e uma tendência a crernão significa garantia de vida religiosa estávelfeliz. De acordo com o professor de teologia JamesFowler, o desenvolvimento dessa área da vida segue opadrão de qualquer outro processo psicológico humano,ou seja, acontece por fases. A jornada religiosacompleta começaria na infância, a partir de um estágioem que vemos o mundo como mágico, e seguiria até umasexta etapa, em que o crente é um místico capaz deexperimentar um profundo senso de unidade com ouniverso. E Deus nessa história? A maioria dos teólogos recusa-se a aceitar que aexperiência de Deus seja reduzida a reações químicasno cérebro. Em geral, as religiões preferem a idéia deuma revelação vinda "de cima". Para a ciência, acomprovação de uma origem genética para a fé e omapeamento da crença no cérebro não dizem nada sobre aexistência de Deus. As pesquisas apenas explicam porque há diferentes graus de envolvimento religiosoentre as pessoas e que tipo de elevação provam aquelesque crêem. Mas tudo isso pode, ainda, ser invenção de Deus. Háquem defenda até que os genes façam parte dosofisticado projeto divino para a humanidade. Enquantoas origens e os efeitos da religiosidade podem sermedidos pela ciência, a existência de Deus, só pelafé. Mas isso não significa ter de mantê-las separadas.Como bem apontou Albert Einstein, a ciência semreligião é manca e a religião sem ciência é cega. Para ler • "The God Gene", Dean Hamer. Doubleday. 2004 • "Why God Won't Go Away", Andrew Newberg. Ballantine.2002 • "Religion Explained", Pascal Boyer. Basic Books.2001 http://revistagalileu.globo.com/Galileu/0,6993,ECT954012-2989-1,00.html

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