quinta-feira, agosto 4

POEMA EM LINHA RETA - Fernando Pessoa

    Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
    Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
    Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
    Indesculpavelmente sujo,
    Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
    Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
    Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
    Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
    Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
    Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
    Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
    Para fora da possibilidade do soco;
    Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
    Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
    Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
    Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
    Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
    Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
    Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
    Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
    Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
    Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
    Ó príncipes, meus irmãos,
    Arre, estou farto de semideuses!
    Onde é que há gente no mundo?
    Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
    Poderão as mulheres não os terem amado,
    Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
    E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
    Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
    Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
    Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
    Álvaro de Campos

Um pouco de Juvenal Arduini...


"O ser humano é ambivalente. Conhecido e estranho, próximo e distante, transparente e opaco. O ser humano canta e protesta, dança e agride, congrega e dispersa. O ser humano é diáfano e indevassável, lúcido e nebuloso, acessível e inabordável. Circula pelas ruas, mas também recolhe-se na intimidade. O ser humano expande-se festivamente e tranca-se amargamente. É lógico e ilógico.
O ser humano é linguagem pluriforme. Fala e silencia, grita e emudece, gargalha e enclausura-se. O ser humano é palavra ofertada e palavra recusada. E recusar a palavra aos outros é rejeitá-los. O ser humano é fonte exuberante de comunicação, e também núcleo rígido de incomunicação. Comunicabilidade e incomunicabilidade são duas faces do existir humano. O ser humano é diálogo fecundo e monólogo estéril.
O ser humano é torrente de amor. Amar é expressão de vida, êxtase, paixão, impulso vital. É Eros. Mas o ser humano pode também gotejar ódio feroz. O ódio é filho de Tânatos. O ser humano é mistura de Eros e Tânatos. Quando o amor se perverte, converte-se em ódio implacável. Seres que se amavam apaixonadamente passam a odiar-se rancorosamente. E o “amante” chega a assassinar o  “ amado”.
O ser humano é fértil em criações. Cria vida, saúde, pão, paz, ciência, tecnologia. Mas o ser humano é também niilista. Incinera o mundo. Basta ver a guerra. O ser humano constrói maravilhas, mas também pode arrasá-las. Planta a semente e desintegra a germinação.
Pai luta para ter filho; e pai estupra a carne de sua carne. Mãe sangra para sustentar o filho; e mãe abandona ou estrangula o recém-nascido.
O ser humano sente necessidade de convivência e solidariedade. Mas é também anti-social. A discriminação, o fanatismo e o sectarismo esfiapam o tecido da sociabilidade. O ser humano fascina. As pessoas seduzem pelo amor e pela beleza, pela inteligência e pela bondade. Mas também as pessoas intimidam e ameaçam com violências e assassinatos. O ser humano cativa com afeição e algema com servidão.
O ser humano é águia altiva que recorta horizontes vastos. E é também verme que rasteja. O ser humano empolga pelos avanços científicos e históricos, e frustra pela vulgaridade e pelo aviltamento. A fronte do ser humano roça a face de Deus, mas seus passos escorregam na lama. O ser humano dignifica-se pela fidelidade e abastarda-se pela traição.
O ser humano é paradoxo antropológico. Muitos exaltam a grandeza do ser humano. Outros muitos lhe estigmatizam a vileza. O ser humano não se define por conceito matemático. É seqüência de contrastes. É campo de “joio e trigo”. É ser em devenir. Pode acertar e pode errar. Pode fazer-se e desfazer-se. Mas abriga potencial para re-fazer-se. O ser humano é capaz de eliminar o ódio, a perversidade, a destruição. E pode propulsar energias criadoras inteligentes que amadureçam a consciência, redirecionem a liberdade, cultivem o amor, promovam a justiça, efetivem a solidariedade e assumam a responsabilidade.
O ser humano é oscilante. É paradoxo. Avança e recua, atrai e expulsa, ergue-se e recai, edifica e pulveriza, arrisca-se e amoita-se. O ser humano não é apenas herança. É decisão. É gênese existencial. É conquista de todos os dias. Lidar com o ser humano é lidar com o paradoxo."

Só sei que nada sei


Saber que nada se sabe, é o passo mais importante de toda filosofia de Socrátes e uma das maiores contribuições para a arte do filosofar. Embora muitos filósofos façam oposição a esse fundamental mestre do pensamento ocidental, é de se reconhecer o grande mérito de sua tomada de consciência sobre a própria finitude do ser humano, a fronteira entre cada homem e aquilo que ele chamaria de ente oculto.
O mestre de Platão dá a essa experiência, do ente fora de alcance, o sutil nome de ignorância, afinal tal experiência revela o próprio saber humano. Saber-se ignorante é ter contato com a essência da verdade, a qual implica necessariamente na Verdade Absoluta, o que também poderíamos chamar de Ente ou Substância Suprema, Absoluto ou Uno.
Uma vez que tomamos consciência deste caráter metafísico da verdade, nos livramos de qualquer pretensão de rete-lá, hegemoniza-la, ou termos plena posse dela. O que nos deixa mais livres para contemplar a beleza de um pensamento que se submete à urgências, prazos e objetivos estagnantes. Diante de tal possibilidade é prazerosamente viável uma filosofia desprovida de qualquer proselitismo.
         A conhecimento da própria ignorância nos faz olhar com mais solicitude e critério para a realidade e para os objetos. Aquele que não se sabe desconhecedor ouve em tudo uma eco de si próprio, ao invés de se abrir para os sentidos próprios de cada aspecto que se desvela a sua frente. A autêntica reflexão busca saber o que as coisas realmente são e não o que desejamos que elas venham a ser.

A ESTÉTICA FILOSÓFICA


A palavra estética vem do grego aisthesis e significa "faculdade de sentir", "compreensão pelos sentidos", "percepção totalizante". Sendo, em primeiro lugar, individual, concreta e sensível, oferece-se aos nossos sentidos; em segundo lugar, sendo uma interpretação simbólica do mundo, sendo uma atribuição de sentido ao real e uma forma de organização que transforma o vivido em objeto de conhecimento, proporciona a compreensão pelos sentidos; ao se dirigir, enquanto conhecimento intuitivo, à nossa imaginação e ao sentimento, toma-se em objeto estético por excelência.
Do ponto de vista estritamente filosófico, a estética estuda racionalmente o belo e o sentimento que este desperta nos homens. Em especial, no período Clássico, a idéia do Belo desempenha importante papel. Todavia, a obra de Plotino sobre o belo possui uma tônica de misticismo que é pouco especulada nos tempos atuais; sente-se nela o desejo e o esforço de uma alma que quer se encontrar e ao mesmo tempo se perder no Uno universal e inefável. Esse arrebatamento da alma, esse êxtase foi que impressionou Bergson ao ler as Enéadas, o que explica o fato de o autor das Duas Fontes Ter colocado Plotino acima de todos os filósofos.

A Beleza, essa beleza que também é o Bem, deve ser colocada como primeira realidade. Imediatamente depois dela vem a inteligência, que é uma manifestação proeminente da Beleza. A Alma é bela mediante a Inteligência. As outras belezas, por exemplo as das ações e ocupações, provêm do fato de  a Alma imprimir nelas a sua Forma, a qual também é responsável por toda a beleza que há no mundo sensível, pois sendo um ente divino, um fragmento da Beleza primordial, ela torna belas todas as coisas que toca e domina, contanto que ela mesma participe da Beleza. (PLOTINO, 2002, p. 30).

Ao estudarmos Plotino em Estética, podemos verificar uma filosofia que quer ser síntese não repetitiva, ensina afirmando: o homem ou sua alma, deve se esforçar, livremente, para buscar o caminho da perfeição, alcançando a visão direta ou o caminho experencial com o Uno-Bem-Belo-Infinito, fonte e meta de tudo, portanto, também da alma. Esta, para alcançar este fim, deve se converter e se tornar noûs, mediante o retorno constante ao seu Princípio, autoconstituindo-se hispóstase pela visão pluralizada a partir da unidade absoluta e total com o Uno-Infinito. Esta experiência infinita faz com que a alma alcance a plenitude de sua liberdade, tornando-se consciência do que sempre foi, a saber, desde sua origem, parte do mundo do espírito.
E assim podemos afirmar concluindo, com Plotino, que o real nunca é a somatória de elementos de uma existência separada, múltipla, mas é essencialmente polaridade de termos que se sustentam, ou seja, unidade, no sentido mais absoluto do termo.

terça-feira, maio 3

I Simpósio de Filosofia Patrística e Medieval da Faculdade São Bento




Tema: O medievo e a hermenêutica do mal

Dias 09 e 10 de maio de 2011

no Anfiteatro da Faculdade São Bento de São Paulo

Conferencistas:

Prof. Dr. Lorenzo Mammi (Usp)

Prof. Dr. Jorge Augusto da Silva Santos (Ufes)

Prof. Dr. Paulo Ricardo Martines (Uem)

Prof. Dr. Roberto H. Pich (PUC)


As inscrições serão de 07 de março a 18 de abril. Ligar para 11-3328-8796 ou email: m.gracioso@terra.com.br 

sábado, abril 23

Repensando a Vida

Por sentir-me “contemplando o passado com os olhos voltados para a eternidade”, é que partilho com os amigos o texto de Leonardo Boff, que traz uma reflexão profunda e pessoal sobre a vida e o envelhecer ao completar seus 70 anos.
Completo 70 anos. Pelas condições brasileiras, me torno oficialmente velho. Isso não significa que estou próximo da morte, porque esta pode ocorrer já no primeiro momento da vida. Mas é uma outra etapa da vida, a derradeira. Esta possui uma dimensão biológica, pois irrefreavelmente o capital vital se esgota, nos debilitamos, perdemos o vigor dos sentidos e nos despedimos lentamente de todas as coisas. De fato, ficamos mais esquecidos, quem sabe, impacientes e sensíveis a gestos de bondade que nos levam facilmente às lágrimas.
Mas há um outro lado, mais instigante. A velhice é a última etapa do crescimento humano. Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que completar nosso nascimento ao construir a existência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades e ao moldar o nosso destino. Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabar de nascer. Então entramos no silêncio. E morremos.
A velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer, madurar e finalmente terminar de nascer. Neste contexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: "na medida em que definha o homem exterior, nesta mesma medida rejuvenesce o homem interior" (2Cor 4,16). A velhice é uma exigência do homem interior. Que é o homem interior? É o nosso eu profundo, o nosso modo singular de ser e de agir, a nossa marca registrada, a nossa identidade mais radical. Esta identidade devemos encará-la face a face.
Ela é pessoalíssima e se esconde atrás de muitas máscaras que a vida nos impõe. Pois a vida é um teatro no qual desempenhamos muitos papéis. (...) Mas há um momento em que tudo isso é relativizado e vira pura palha. Então deixamos o palco, tiramos as máscaras e nos perguntamos: Afinal, quem sou eu? Que sonhos me movem? Que anjos que habitam? Que demônios me atormentam? Qual é o meu lugar no desígnio do Mistério? Na medida em que tentamos, com temor e tremor, responder a estas indagações vem à lume o homem interior. A resposta nunca é conclusiva; perde-se para dentro do Inefável.
Este é o desafio para a etapa da velhice. Então nos damos conta de que precisaríamos muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina. Surpresos, descobrimos que não vivemos porque simplesmente não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgar novos horizontes e criar sentidos de vida. Especialmente para tentar fazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhos que nos sustentaram por toda uma vida, reconciliando-nos com os fracassos e buscando sabedoria. É ilusão pensar que esta vem com a velhice. Ela vem do espírito com o qual vivenciamos a velhice como a etapa final do crescimento e de nosso verdadeiro Natal.
Por fim, importa preparar o grande Encontro. A vida não é estruturada para terminar na morte, mas para se transfigurar através da morte. Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidade e encontrar a Última Realidade, feita de amor e de misericórdia. Aí saberemos finalmente quem somos e qual é o nosso verdadeiro nome.
Nutro o mesmo sentimento que o sábio do Antigo Testamento: "contemplo os dias passados e tenho os olhos voltados para a eternidade".
Leonardo Boff

quinta-feira, abril 14

Deleuze e a questão da Educação


Prof. Jackislandy Meira de M. Silva

Para Gilles Deleuze, filósofo e pensador francês do século passado para quem a Filosofia precisa trazer no seu bojo uma habilidade do sujeito para com o mundo das coisas “já feitas”, imputando nelas conceitos como consequência de um movimento, de um fluxo, de uma torrente de vida que procura distinguir o real do virtual, é muito importante que o debate educacional seja eminentemente crítico.

Não uma crítica pela crítica, mas a crítica pelo esclarecimento, onde o educador jogue luzes sobre um mundo a ser conhecido, a ser tomado pela reflexão.

O que dá sentido à Filosofia, no entender de Deleuze, é uma teoria das multiplicidades, impregnada pelo devir de Heráclito de um modo processual de movimentos, assumidamente intenso e extenso que dificilmente poderíamos trocar em miúdos aqui, devido à escassez de tempo e de espaço.

Todavia, aventurando-se a tocar na cerviz de seu pensamento, é notório conceber dois tipos de multiplicidades(extensivas e intensivas) que substitui o velho dualismo entre o uno e o múltiplo por outro, na medida em que essas multiplicidades não pertencem a dois mundos separados, incomunicáveis, opostos, mas pertencem a um só e mesmo mundo. Por Deleuze, mostra-se para nós, uma Filosofia intensamente pragmática, na qual experimentar é sua constante palavra de ordem. “Não basta dizer VIVA O MÚLTIPLO. É preciso fazer o múltiplo” (Gilles Deleuze, Mil Platôs, pág. 14).

Algo interessante no problema educacional é habilmente percebido por Deleuze que reconhece algo de mistério no aprender. O aprender é consequência de um encontro intempestivo e sem finalidade com o heterogêneo de uma multiplicidade intensiva.

Nunca se sabe como uma pessoa aprende; mas, de qualquer forma que aprende, é sempre por intermédio de signos, perdendo tempo, e não pela assimilação de conteúdos objetivos” (Gilles Deleuze, Proust e os signos, pág. 21. 2003).

Deleuze estabelecia com as ondas do mar uma relação de muita estranheza, tanto é que adorava dar o exemplo do aprender a nadar como constituindo justamente esse encontro com o heterogêneo:

O movimento do nadador não se assemelha ao movimento da onda; e, precisamente, os movimentos do professor de natação, movimentos que reproduzimos na areia, nada são em relação aos movimentos da onda, movimentos que só aprendemos a prever quando os aprendemos praticamente como signos. Eis porque é tão difícil dizer como é que alguém aprende: há uma familiaridade prática, inata ou adquirida, como os signos, que faz de toda a educação algo de amoroso, mas também de mortal. Os nossos únicos mestres são aqueles que nos dizem ‘faça comigo’ e que, em vez de nos proporem gestos para reproduzir, sabem emitir signos a serem desenvolvidos no heterogêneo” (idem, Diferença e repetição, p. 54, 1988).

Portanto, a violência travada no encontro com o diferente não impede que se entre em ressonância com ele. Até porque, para Deleuze, apaixonar-se é aprender, mas talvez, ousássemos inverter a definição e afirmar que aprender é apaixonar-se.

Apaixonar-se é individualizar alguém pelos signos que (esse alguém) traz consigo ou emite” (idem, Proust e os signos, p. 7, 2003).


jackislandy Meira de Medeiros Silva - jacksil05@yahoo.com.br


Para saber mais:

Deleuze foi professor e filósofo francês que, não escreveu sobre a educação. Porém suas reflexões são inusitadas, diferentes, inconformistas. Atributos que não faltam à vasta produção desse pensador. Graduado em Filosofia na Sorbonne, Deleuze foi professor secundário de Filosofia, pesquisador e professor universitário. O vigor e o inusitado, o inspirador e a consistência que marcaram seu pensamento justificam o deslocamento da obra de Deleuze para o campo da Educação.

Filósofo francês nascido em 1925, Gilles Deleuze foi contemporâneo e amigo de Michel Foucault. O seu grande contributo para a Filosofia reside em grande parte na vasta quantidade de estudos dedicados à sua história. Na opinião de Deleuze, a Filosofia, tal como qualquer outra disciplina, possuí uma função específica: criar conceitos. São os conceitos que impedem que o pensamento seja confundido com "uma simples opinião".

quinta-feira, abril 7

Diálogo o início do educar: Paulo Freire

Joelson Silva de Araújo

Não podemos negar a contribuição que esse educador deu para a construção de uma educação crítica e consciente das ações realizadas no presente, tendo em vista um futuro melhor. Só conseguimos desenvolver e melhorar a nossa educação quando primeiramente tivermos um plano, com objetivos delimitados e metas a serem alcançadas; porém não é só o projeto que desenvolve a educação, e sim a realização desse projeto, que parece ser o que falta no Brasil, parece que falta também paciência para se observar o desenrolar desses projetos. Diante disso, é fundamental que nós pensemos que os problemas educacionais não são resolvidos de uma hora para outra, é preciso haver um controle que não interrompa a execução de projetos de médio e longo prazo. O problema brasileiro não é a construção de projetos para a melhoria da educação; observamos o quanto é grandioso o acervo de projetos que nos é apresentado nas escolas, nos estados, nas regiões. O que importa não é a quantidade de projetos, e sim a execução integral desses projetos que não presenciamos no país, quer dizer há uma interrupção na execução desses planos, por motivos políticos e individuais. 
 
É muito proveitoso pensar que em nosso país, como até mesmo em nossos municípios, há sempre interesses particulares que acabam com metas educacionais, com objetivos e principalmente com os resultados que se têm em vista. Isso desvia a educação do caminho certo, pois os interesses coletivos devem se sobrepor aos interesses particulares, principalmente na educação. Para alcançarmos resultados na educação é fundamental que planejamentos construídos pelos educadores brasileiros sejam executados de forma integral, mesmo sabendo que é um processo lento em que há uma contínua construção. Porque assim podemos saber em que progrediu o ensino nesse tempo, podemos também saber o que não deu certo nesse plano para que assim depois haja uma coação, deixando para trás as idéias que não foram proveitosas e estudando, dialogando novas formas para a melhoria do sistema educacional. È preciso fazer isso, que se trace um paralelo e haja uma mobilização na construção de uma boa educação para todos. Porém isso não parece acontecer muitas vezes em nosso país. Pois na maioria das vezes nos centros e principalmente nos recantos brasileiros há uma individualização da educação onde poucos decidem o futuro de muitos sem haver um diálogo crítico envolvendo toda a sociedade. Grupos agindo de forma autônoma, ou seja, fazendo suas próprias leis. Só que essa autonomia que podemos denominá-la de autonomia exclusivista, ou seja, que exclui a participação de grande parte dos envolvidos na prática das ações concernentes a educação; essa atitude tomada de forma livre por parte de poucos, muitas vezes atrapalha projetos que estão em andamento para o benefício da população. Isso se torna mais simples quando vemos que planos de instituições educacionais são simplesmente engolidos por outros planos que chegam em decorrência de uma nova gestão. Quer dizer, há uma construção durante certo tempo para que se avalie e melhore a educação, é há o interrompimento desse trabalho pela simples mudança de administração. a educação não pode ser tratada dessa forma, tem que se ir além desse pensamento de que em uma gestão se pode resolver os problemas apresentados; é preciso que se construa políticas que priorizem a realização de forma integral de projetos, independentemente de mudanças administrativas em qualquer instituição educacional. A educação tem que ser pensada não como um problema que temos que resolver, mas como uma construção a qual nós, obrigatoriamente devemos estar empenhados em sempre torná-la melhor. Como será que conseguimos isso? 
 
Paulo Freire olhou atentamente para nossa educação para justamente tentar resolver essa pergunta. A conscientização pode ser considerada uma das respostas para essa pergunta, pois quando um povo se conscientiza dos seus problemas pode muito bem buscar formas de resolvê-los; a conscientização é o passo fundamental, porém só o conscientizar em si não resolve, pois é preciso que todos se empenhem em transformar aquilo de que a sua consciência é consciente. É preciso que a práxis, no sentido marxista, seja a grande guia nessa transformação social, fazendo com que ele reflita e em seguida lute para transformar os reflexos antes lhe apresentados. 
 
Quando pensamos em educação temos que ter em vista que não se consegue transformar o ensino em apenas um ou dois anos. Esse processo pode levar décadas para se realizar, isso se houver, é claro, um planejamento específico e direcionado para os problemas apresentados. Interesses políticos fazem disso um desafio a ser superado. Ainda vemos muito pessoas, gestões, oligarquias que ao assumirem uma determinada instituição pensam logo em fazer um novo plano ou já tem um plano novo; sem parar para refletir que já há um projeto sendo realizado. O problema é que essas interrupções na maioria das vezes não contribuem, pois acabam tirando a chance de se obter resultados para a futura construção de um plano melhor. 
 
Não é somente na elaboração de projetos referentes a escola como um todo que há essa falta de diálogo, muitas vezes há um desrespeito com o próprio educando que é o principal atingido com essa transição equivocada. Isso é visto por Paulo Freire como uma falta de respeito ao educando, na medida em que não há um diálogo do “educador” com o educando. Isso não contribui para uma sintonia governamental. Pois o professor não sabe a realidade do aluno, passa conteúdos sem haver uma preocupação com a pessoa, a humanidade do aluno. 
 
Tratando dessa falta de diálogo, Paulo Freire coloca muito bem, no livro Pedagogia da Autonomia que essa construção, esse processo, essa edificação de uma educação crítica exige um respeito ao educando. É interessante, que muitos “educadores” não ouvem seus alunos; e na obra Freiriana já citada (Freire,p.30, 1996) há um questionamento sobre essa não participação do educando na construção de uma boa educação, o questionamento aparece da seguinte forma:

Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? [...] por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade?” 
 
Com essas palavras, faz se referência a criticidade que precisamos na educação, em que haja uma construção, a partir de perguntas e não a imposição educacional por parte dos gestores. É importante que cada gestor saiba utilizar sua autonomia de forma inclusivista, ou seja, que inclua as idéias que lhe são oferecidas até mesmo por parte dos alunos, para que assim as normas e o próprio ensino seja autônomo por parte de todos. Para que assim se estabeleça uma grande e fundamental parceria entre os dois maiores beneficiados: o educador e o educando para que assim construam uma boa educação, guiada e direcionada para a melhoria de toda a sociedade. A educação precisa ser feita por todos, pois é ouvindo as diversas partes que a compõem que se detectam os problemas e assim se propõem novas idéias para resolvê-los; tendo como principais protagonistas todos aqueles que vêem um país melhor emergindo no horizonte de esperanças que se mostra vivo no coração e na mente dos brasileiros.

Quando falamos de educação de qualidade não podemos esquecer que para tê-la como realidade é fundamental que se exercite o diálogo, como início de um processo sempre aberto, um diálogo crítico que mostre realmente o melhor para todos. É isso que podemos captar de uma parte do pensamento de Paulo Freire, destacando o diálogo como espinha dorsal para o desenvolvimento da educação e para o permanecimento da mesma, como espaço sempre aberto para discutir e aperfeiçoar o intelecto desenvolvendo a vida humana.
Aluno de Filosofia. Caicó - Rio Grande do Norte/RN.

quinta-feira, março 31

A Ressignificância da unidade entre o Ensino e a Aprendizagem


Prof. Geverson Luz Godoy*

A pedagogia tradicional, bancária como dizia Paulo Freire, por acreditar no depósito de conhecimento que outrora seria propriedade do professor, tinha o professor como o centro do processo Educativo, sendo este processo conhecido como magistrocêntrico.
 
Passado algum tempo, hoje compreendemos a educação de outra forma. Sabemos que o ensino não garante a aprendizagem, porém não há significado existir o ensino, caso não exista a aprendizagem. O ensino seria estéril e inútil sem a aprendizagem. Por este motivo temos acreditado nestes novos tempos, no século do conhecimento, que é necessário ressignificar a unidade entre, ensino e aprendizagem.

Falamos em ressignificação, ou seja, recriar o significado, transformar o já formatado. Para isto, na maioria das vezes é necessário desorganizar o que já parece pronto. Referimo-nos a transformação, processo onde todos são co-responsáveis por parte do crescimento. Por este motivo buscamos instrumentos de trabalho, onde o foco do conhecimento não é o professor, e sim o sujeito do conhecimento, aquele que busca o conhecer, seja ele o professor ou o aluno dentro da comunidade de aprendizagem investigativa.
   
Dentro da proposta do Centro de S.E.R. – Sistema de Ensino Reflexivo, este processo esta baseado em uma metodologia sócio-histórico-construtivista, fundamentado em uma visão humanista, onde é valorizado o conhecimento que o aluno traz de sua vida que não está vinculada somente ao banco escolar. Todo local é lugar de aprendizagem, porém na escola, podemos ressignificar o que acontece em nossas vidas, ligando o conceito com a prática. O aluno sabe fazer a prática e, o professor ajuda-o a conceituar as suas atitudes.
O conhecimento é algo que está dentro do individuo e suas relações, primeiro consigo mesmo, depois com os outros e com o mundo. O sujeito não adquire o conhecimento por meio de cópia do que lhe parece real. É através de suas capacidades, habilidades e competências, que o aluno constrói juntamente com os demais indivíduos da comunidade de aprendizagem investigativa novos conceitos que dão significado ao seu existir, oportunizando a toda comunidade de aprendizagem novas possibilidades de ação.
Dentro do processo de ensino e aprendizagem, o “erro” possui o seu valor didático pedagógico, onde o sujeito da aprendizagem constrói as suas representações, que dentro de sua logicidade, possui verdadeiro sentido, que podem ser melhoradas com a ajuda do olhar da comunidade, incorporando novas ideias, transformando o já pensado em reflexão, alcançando um nível superior de conhecimento.
A intervenção pedagógica deve atentar-se ao que denominamos idade cognitiva do aprendente, ao que compete o amadurecimento da compreensão dos alunos durante os estudos de fórmulas e conceitos. Deve-se ainda, levar em consideração, os conhecimentos que se apresentam em forma de senso comum pelos alunos, mas que podem ser lapidados pela comunidade, oferecendo o professor uma contribuição construtiva.

Estas são algumas pistas para alcançarmos o conhecimento dentro da comunidade de aprendizagem investigativa, onde o conhecer não é decorar fórmulas e regras matemáticas ou gramaticais. Para alcançar o conhecimento, o sujeito que o busca passa por um processo de modificação, aceitabilidade, reorganização, plasticidade e construção no que diz respeito à assimilação e interpretação de conteúdos estudados.
A assimilação e interpretação de conteúdos, além de serem apropriações culturais e sociais, são propriedades do sujeito, portanto o sentido obtido do conhecimento é ainda subjetivo, fazendo do sujeito co-reponsável e co-autor de seu processo formativo.

O conhecimento subjetivo é de estrema importância na perspectiva da aprendizagem, pois implica no simbolismo que é dado pelo aluno á parcela da realidade estudada, juntando com a percepção simbólica de toda a comunidade e fazendo relações entre a teoria e a prática.

Dentro desta perspectiva compreendemos a participação do professor como parte da comunidade de aprendizagem investigativa, mediador de conhecimentos, aquele que se ocupa como facilitador na aprendizagem, transformador e ressignificador de conceitos. Os conceitos são ferramentas que desenvolvem nos educandos habilidades de raciocínio que os levam a pensar com uma melhor qualidade e clareza, direcionando-os para um pensamento com excelência.


Assessor filosófico-pedagógio S.E.R.

domingo, março 27

O Labirinto Sagrado

O LABIRINTO SAGRADO:
Ensaios sobre religião, psique e cultura. 
Novo livro do Prof. Pe. Marcial Maçaneiro, SCJ. - Paulus Editora


“O labirinto sagrado” nos possibilita sondar o fascinante mundo da experiência religiosa: decifra antigas hierofanias; descreve a dança de eros no jardim da mística; acolhe o sentido transcendente da Natureza; indaga sobre a relação entre religião e cultura da paz; reivindica a ternura como força transformadora do humano.

Nos oito ensaios temáticos (ordenados como coletânea) o autor tece um diálogo entre subjetividade e história, psique e cultura.

Plural de um lado, coesa de outro, a abordagem tem sensibilidade antropológica e respeito pelo dado religioso.

Em suas linhas conclusivas, elementos de fenomenologia religiosa propiciam o discernimento de novas perspectivas da espiritualidade cristã, aproximando Ciência da Religião e Teologia Espiritual. Afinal, uma e outra se cruzam no labirinto que somos nós, ora atraídas pela gravidade do centro, ora dispostas a sair e irradiar.

Conteúdos da obra:
Primeira Parte – Coordenadas Globais

  • Vivências originárias e senso do Sagrado
  • Hierofania, tempo e ritualidade
  • A água nas religiões: sacralidade e regeneração
  • Religiões e cultura da paz

Segunda Parte – Perspectivas Cristãs

  • A sacralidade interior e seus arquétipos
  • Eros, pessoa e ternura
  • Espiritualidade e paradigmas atuais
  • A “poética” do Evangelho

Religiões e Ecologia



“Ao lado da Ciência, da Educação e dos Governos, também as Religiões participam da tarefa ecológica, em benefício da vida na Terra. O diálogo entre Religiões e Ecologia é tão urgente quanto promissor: estabelece contatos, partilha valores, indica convergências e abre vias de ação conjunta” – assim se expressa o Prof. Pe. Marcial Maçaneiro, vice-diretor da Faculdade Dehoniana, ao apresentar seu livro Religiões & Ecologia (Paulinas, 2011).

Ao longo dos séculos as Religiões traçaram “desenhos do mundo” e indagaram sobre o sentido do universo, propondo virtudes ecológicas como o cuidado, a partilha e a sobriedade no uso dos bens da natureza. É o que verificamos no Hinduísmo, Budismo, Culto dos Orixás, Judaísmo, Cristianismo e Islã – abordados didaticamente nesta obra.

Tendo presente essas seis religiões, o livro se organiza em três partes, cada qual a partir de uma pergunta:

Parte I – Como as religiões interpretam o cosmos e a natureza?
Aqui se esclarece a cosmovisão de cada uma das seis religiões (Hinduísmo, Budismo, Candomblé, Judaísmo, Cristianismo e Islã) É a parte mais longa, por conta dos conteúdos milenares e das muitas narrativas religiosas sobre o mundo, a natureza e a humanidade. O leitor poderá seguir página por página, ou selecionar aquela religião que lhe for de interesse.

Parte II – O que as religiões oferecem para o saber e o agir ecológicos?
Trata dos valores ecológicos presentes nas religiões. Em tom propositivo, destacam-se sete contribuições das religiões para o saber e o agir ecológicos: episteme, profundidade, reconhecimento, virtudes, humanidade, engajamento e espiritualidade. Informações científicas e religiosas se articulam, com distinções e complementos significativos, numa linguagem descritiva e poética, além da explicação conceitual.

Parte III – Que tarefas a ecologia solicita das religiões?
Propõe as tarefas ecológicas que as religiões são chamadas a realizar, como parcela de sua responsabilidade pela vida humana e planetária. As tarefas são condensadas em sete: interpretar a condição humana na Terra; desenvolver a consciência ecológica de seus membros; participar da elaboração de uma epistemologia ambiental; promover a ética ecológica; dialogar sobre questões ambientais; agir conjuntamente pela causa ecológica; reencantar a natureza.

A obra tem conteúdo informativo, fruto de longa pesquisa. A leitura proporciona um contato direto com as fontes religiosas: mitologias, narrativas ancestrais, compêndios doutrinais e textos sacros. O autor inclui o debate atual sobre Ciência Ecológica, com os cientistas Edgar Morin, Enrique Leff, Pierre Dansereau, Alfredo Pena-Vega e James Lovelock. Também documentos internacionais entram na abordagem, como: Convenção da TerraDeclaração sobre o ethos mundial e diretrizes ecumênicas.

Assim, o encontro entre Religiões e Ecologia começa na cosmovisão, passa pelos valores e se projeta num conjunto de tarefas em prol da vida e da sustentabilidade do planeta.

Se conseguimos sonhar também conseguimos realizar os nossos sonhos!


E assim, depois de muito esperar, num dia como outro qualquer, decidi triunfar...
Decidi não esperar as oportunidades e sim, eu mesmo buscá-las.
Decidi ver cada problema como uma oportunidade de encontrar uma solução.
Decidi ver cada deserto como uma possibilidade de encontrar um oásis.
Decidi ver cada noite como um mistério a resolver.
Decidi ver cada dia como uma nova oportunidade de ser feliz.
Naquele dia descobri que meu único rival não era mais que minhas próprias limitações e que enfrentá-las era a única e melhor forma de as superar.
Naquele dia, descobri que eu não era o melhor e que talvez eu nunca tivesse sido.
Deixei de me importar com quem ganha ou perde.
Agora me importa simplesmente saber melhor o que fazer.
Aprendi que o difícil não é chegar lá em cima, e sim deixar de subir.
Aprendi que o melhor triunfo é poder chamar alguém de"amigo".
Descobri que o amor é mais que um simples estado de enamoramento, "o amor é uma filosofia de vida". 
Naquele dia, deixei de ser um reflexo dos meus escassos triunfos passados e passei a ser uma tênue luz no presente. 
Aprendi que de nada serve ser luz se não iluminar o caminho dos demais.
Naquele dia, decidi trocar tantas coisas...
Naquele dia, aprendi que os sonhos existem para tornar-se realidade.
E desde aquele dia já não durmo para descansar... simplesmente durmo para sonhar.
Walt Disney

sexta-feira, março 25

ROBINSON CRUSOÉ - 1º ano do Ensino Médio - Sociologia

Autor: Daniel Defoe nasceu na Inglaterra, em 1660, filho de burgueses de origem holandesa. Educado como protestante e dotado de grande espírito crítico, escrevia e distribuía panfletos criti­cando o rei católico Jaime II e, posteriormente, a rainha Ana, que procurou renovar a Igreja anglicana. Por essa razão, foi preso duas vezes. Em sua vida, viajou a Portugal e à Espanha, onde aprendeu sobre a vida nas colônias portuguesas e espanholas na América. Escreveu também O capitão Singleton, O coronel Jack, Roxana, O capitão Carleton e a obra-prima As aventuras e desventuras de Mol! Flanders. Obra: escrita em 1719, Robinson Crusoé é a obra que o tornou famoso. O romance foi inspirado na história verídica de um marinheiro escocês, que por quatro anos viveu isolado na ilha de Juan Fernandez, no Caribe. O livro conta a vida do jovem inglês Robinson Kreutznaer, logo conhecido como Robinson Crusoé. Tendo gosto por aventuras, torna-se marinheiro e experimenta toda sorte de peripécias, chegando inclusive a viver por algum tempo no Brasil. Em uma expedição malsucedida rumo à África, o navio em que viajava encalha e o bote salva-vidas naufraga com todos a bordo. Crusoé é o único sobrevivente e passa a viver sozinho em uma ilha desabitada, utilizando apenas os recursos que consegue salvar dos destroços do navio encalhado e sua própria engenhosidade em produzir as ferramentas e os utensílios necessários para a sua sobrevivência durante os anos em que vive na ilha.

"Andei sem rumo pela costa, pensando nos meus amigos, todos desaparecidos, com certeza mortos. O mar transformara-se em túmulo, além de carrasco. Longe, mar adentro, o navio continuava imóvel, encalhado. Eu estava molhado, sem água e sem comida. Nos bolsos, apenas uma faca, um cachimbo e um pouco de tabaco. A noite avizinhava-se. Afastada da praia, encontrei uma pequena fonte de água doce. Matei a sede. Para enganar a fome, masquei um naco de fumo. Sem abrigo, sem armas e com medo de feras selvagens, subi numa árvore para passar a noite. Consegui encaixar o corpo cansado no meio de grossos galhos, sem perigo de cair durante o sono. Adormeci logo. (p. 23) [ ... ] O navio, trazido pela tempestade, havia se deslocado para um ponto bem próximo à praia.
Continuava inteiro, sinal de que, se tivéssemos permanecido a bordo, estaríamos agora todos com vida. (p. 23) [ ... ] Em primeiro lugar salvei os animais domésticos que viajavam no navio: um cachorro e quatro gatos. (p. 24) [ ... ] Rapidamente fiz uma revista geral para ver o que podia salvar da carga. [ ... ] Já havia decidido trazer do navio todas as coisas possíveis de serem transportadas. Sabia não ter muito tempo: a primeira tempestade faria o barco em pedaços. (p. 25) [ ... ] Ia para bordo a nado e voltava sempre com uma nova jangada, aproveitando para salvar assim também o madeirame do navio. Consegui desse modo valiosas "riquezas" para um náufrago: machados, sacos de pregos, cordas, pedaços de pano encerado para vela, três pés-de-cabra, duas barricas! com balas de mosquete2, sete mosquetes, mais outra espingarda de atirar chumbo, uma caixa cheia de munições, o barril de pólvora molhada, roupas, uma rede, colchões e - surpresa! - na quinta ou sexta viagem, quando já acreditava não haver mais provisões a bordo, encontrei uma grande reserva de pão, três barris de rum e aguardentes, uma caixa de açúcar e um toneP de boa farinha ... (p. 25-26) [ ... ]
Meu futuro não parecia tão bom ... Na verdade prometia ser triste, com poucas esperanças de salvação. Sozinho, abandonado numa ilha deserta, desconhecida e fora das rotas de comércio, não alimentava a menor perspectiva de sair dali com vida. Já me via velho e cansado, passando fome, sem forças para nada: morreria aos poucos. Isto se eu não morresse antes, vítima de alguma tragédia.
Muitas vezes deixei-me levar pelo desânimo. Não foram poucas as lágrimas que salgaram meu rosto. Nessas ocasiões, recriminava e maldizia a Deus. Como podia ele arruinar suas criaturas de modo tão mesquinho, tornando-as miseráveis, deixando-as ao completo abandono? (p. 29) [ ... ]
Depois de dez dias, fiquei com medo de perder a noção do tempo. Improvisei um rústico, mas eficiente calendário. [ ... ] Todos os dias, riscava no poste um pequeno traço. De sete em sete dias, fazia um risco maior para indicar o domingo. Para marcar o final do mês, eu traçava uma linha com o dobro do tamanho. Dessa forma, podia acompanhar o desenrolar dos dias, conseguindo situar-me no tempo.
Entre tantos objetos, havia trazido do navio tinta, papel e penas para escrever. E, enquanto a tinta durou, mantive um diário, relatando de forma resumida os principais fatos acontecidos. (p. 30) [ ... ] A falta de ferramentas adequadas tornava alguns serviços extremamente demorados. Mas, afinal, para que pressa? Eu não tinha todo o tempo do mundo? [ ... ] Também descobri que o homem pode dominar qualquer profissão que queira ... Aos poucos, tratei de deixar mais confortável o meu jeito de viver. (p. 31) [ ... ]
Foi nessa época que fiquei doente, com febre, e tive alucinações. Vendo a morte muito próxima, fui incapaz de ordenar minhas ideias e colocá-Ias com clareza no papel. Hoje sei que esse período foi um dos piores da minha vida. A febre veio de mansinho. (p. 36) [ ... ] Num momento de lucidez, entre um ataque e outro de febre, lembrei-me de que, no Brasil, se usava fumo para curar a malária. E eu tinha, num dos caixotes, um pedaço de fumo em rolo e algumas folhas ainda não defumadas. Foi a mão de Deus que me guiou. Buscando o fumo, achei uma Bíblia, guardada no mesmo lugar.
O fumo curou-me a febre: não sabia como usá-lo, por isso tentei diversos métodos ao mesmo tempo. Masquei folhas verdes, tomei uma infusão de fumo em corda com rum, aspirei a fumaça de folhas queimadas no fogo. Não sei qual dos métodos deu resultado: talvez todos juntos. A verdade é que sarei em pouco tempo. A Bíblia foi um bom remédio para a alma. (p. 37) [ ... ]
Sempre quis conhecer a ilha inteira, ver cada detalhe dos meus domínios. Acreditei que tinha chegado a hora. Peguei minha arma, uma machadinha, uma quantidade grande de pólvora e mu­nições, uma porção razoável de comida e pus-me a caminho, acompanhado de meu cão ... (p. 42) [ ... ] Na volta, apanhei um filhote de papagaio. Os colonos brasileiros costumavam domesticá-los e en­siná-los a falar. Pensei em seguir-lhes o exemplo. (p. 43) [ ... ]
Foi no início da estação das chuvas. Passando perto da paliçada4, num canto em que o rochedo projetava sua sombra, meus olhos fixaram-se em pequenos brotos germinando. Nunca tinha visto aquelas plantinhas ali. Curioso, aproximei-me a acreditei estar presenciando um milagre: uma ou duas dúzias de pezinhos de milho surgiam da terra. Era milho e da melhor espécie, não havia dúvida. (p. 32) [ ... ] Reconhecido, agradeci à Divina Providência por mais esse cuidado. Só passado algum tempo é que me lembrei de um fato acontecido dias antes. Precisava de algo para guardar restos de pólvora. Procurando no depósito da caverna, achei um velho saco de estopa. Pelos vestígios, no passado servira para armazenar grãos: no seu fundo havia cascas e migalhas de cereais. Para limpar o saco, sacudi esses restos num canto, perto da cerca: milagrosamente haviam germinado! (p. 33) [ ... ]
Precisava de algo para moer o milho e transformá-lo em farinha. Sem instrumentos para fazer um pilão de uma pedra, fiz um de madeira, usando a mesma técnica que os índios brasileiros empregavam na confecção de suas canoas: queimavam a madeira, escavando-a, a seguir, com a plainaS. [ ... ]
Poll, meu papagaio, aprendera a falar e acompanhava-me aonde quer que eu fosse. Fazia-me bem ouvir outra voz além da minha: pena não ser de algum homem." (p. 54)
(DEFOE, Daniel. Robinson Crusoé - A conquista do mundo numa ilha. Adaptação em português de Werner Zotz. São Paulo: Scipione, 1986. Série Reencontro. )

1-Pequeno recipiente de madeira,destinadaa armazenar mercadorias
2-Antiga arma de fogo,parecida com uma espeingarda.
3-Grande recipinete de madeira formado por dois tampos planos e tábuas encurvadas unidas por aros metálicos,
4-Cerca feita com estacas apontadas e fincadas na terra.
5-Ferramenta manual para aplainar,desbastar,facear e alisar madeiras(p46)

quinta-feira, março 24

A importância da Filosofia para a formação do pensamento dos alunos do Ensino Fundamental: Formação – Educação - Humanização

 Profª. Ms. Sônia Siquelli



Final da primeira década do século XXI, sociedade humana, sociedade da técnica bem elaborada, sociedade marcada pelas desigualdades sociais, políticas e econômicas. Marcada pelas preocupações planetárias da possibilidade (in) certa da continuidade de sua existência. Uma sociedade “manca” de seus passos. Evoluiu-se muito na técnica e muito pouco na sua condição humana. Somos capazes, através da Ciência, de conhecermos o universo fora do planeta, mas ao mesmo tempo somos incapazes de convivermos em grupos, de dialogarmos com o outro, de resolvermos os problemas humanos a partir de referências humanas.


Para abordar a importância da Filosofia, enquanto conteúdo e forma de ensino na formação de crianças e adolescentes do ensino fundamental partiremos do seguinte questionamento: Ensinar Filosofia para quê? E, por quê? Para isso façamos a seguinte reflexão a partir da conhecida tese de Heráclito de Éfeso, “Ninguém banha-se duas vezes no mesmo rio”. Segundo esse filósofo ninguém na segunda vez, nem a pessoa nem o rio serão os mesmos. As águas passam, a pessoa muda e, ao banhar-se novamente no mesmo rio, trata-se de uma outra pessoa em novas águas. Nada é para sempre e tudo se transforma. Nós imprimimos uma mudança ao rio e o mesmo nos traz também novas realidades. Assim é a vida biológica, emocional, orgânica e social de todos os seres humanos na elaboração de sua história, condicionamento pelo tempo.


Heidegger, filósofo alemão do século XX, em uma de suas obras faz uso de uma alegoria para explicar a origem do Ser e do Tempo, coloca o homem como fruto da Terra, do Céu e dos Cuidados, tendo como mediador desta existência o Tempo. Nessa alegoria há um embate entre Céu e Terra, sobre a existência humana, mas segue a interpretação de que o homem na sua condição material é fruto da Terra, na sua condição espiritual é fruto do Céu e, durante seu processo de vida precisa de Cuidados. Quando este homem morre seu corpo volta a Terra, a alma ao Céu e quem sustenta todo esse processo é o Tempo.


Para a compreensão da nossa existência pautamo-nos em modelos, paradigmas que nos revele a Verdade sobre nossa existência e a existência do mundo. Do modelo racional e contemplativo grego, ao modelo racional e dogmático medieval, ao modelo experimental da Modernidade acerca de seus conhecimentos acumulados ao longo da história até o paradigma contemporâneo da linguagem, percebemos que a existência humana, a história da sua humanidade se constrói no seio da cultura pelo processo educacional.


Há nesses modelos de interpretação da realidade aqueles que são pautados na essência do homem, no primado racional de que a resposta dos problemas humanos está no próprio conhecimento que o homem possui e acumulou. Em outro, essa resposta se encontra na interação do homem com sua realidade, na sua condição existencialista. Enfim, no embate cultural da produção de conhecimento atual percebe-se em muitas culturas o retorno à tradição, em outras o vislumbramento do novo, da inovação, da Ciência, da Religião, da Arte, da Filosofia e do próprio Senso Comum, lugar da maioria da sociedade humana. Na prática social, há modelos que buscam no econômico a justificativa do fetiche humano como mercadoria da sociedade capitalista e neoliberal.


Enfim, não há um consenso na sociedade humana atual sobre sua própria existência. Não há um consenso sobre a natureza humana e nem dos valores que permeiam essa existência. Podemos pensar que se perdeu algo ao longo da História ou preferimos pensar que é chegada à hora, diante do “caos” instalado nas relações humanas, de forjar valores sociais, políticos, econômicos e, principalmente humanos para conduzir esse Homem à significação de sua existência e da sua continuidade.
Mas, por onde começar? Uma das possibilidades reais é pela Educação desta sociedade. Entendemos e acreditamos que o ensino de Filosofia desde a mais tenra idade, no ensino fundamental, vem contribuir para a formação dessa criança, desse adolescente e jovem que ao ser educado para conhecer e refletir sobre conhecimentos filosóficos irá forjar sua identidade no seu agir ético, enquanto Ser Adolescente, enquanto Ser Social e na constituição enquanto Ser Humano
Essa verdade filosófica pode parecer utópica nessa sociedade atual onde somos valorizados pelo que Temos e não pelo que Somos, mas com certeza é uma verdade que clama por uma atenção formativa por parte das instituições escolares. A prática escolar, a prática educativa e, consequentemente, a prática humana posta na vivência do cotidiano da formação das crianças e adolescentes do ensino fundamental, como forma de contribuição pessoal a cada aluno na sua busca de realização e de felicidade.

1 Mestre e Doutoranda pela Universidade Federal de São Carlos-UFSCar. Professora de Filosofia do 6º ao 9º ano do Colégio Experimental Integrado, docente de Filosofia e História da Educação do Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos em São João da Boa Vista e da Fundação Euclides da Cunha de São José do Rio Pardo

quarta-feira, março 23

Cura do Medo da Morte... (Ibn Sina)


EM NOME DE DEUS, O CLEMENTE , O MISERICORDIOSO
A CURA DO MEDO  DA MORTE E O TRATAMENTO DO MAL DA AFLIÇÃO ADVENIENTE  DA MESMA,  DO  AI-SHAIKH  AL-RAÍS[1]


Tradução direta do árabe por Jamil Ibrahim Iskandar[2]

Louvado seja Deus, Senhor dos mundos, que suas bendições sejam sobre o nosso Senhor Muhammad[3] e  seus familiares, os agradáveis, os castos.

Sendo o medo da morte um dos mais vigorosos que acompanha o homem e sendo este medo geral e, em sua generalidade, o mais forte e severo de todos os medos, é necessário que eu diga que o medo da morte não se apresenta a não ser para quem, na verdade, não sabe o que é a morte ou não tem ciência para onde irá sua alma  ou porque presume que se sofrer dissolução ou sua constituição se aniquilar, estaria, então, dissolvida sua essência e sua alma estaria aniquilada; uma aniquilação igual a do não-ser, presumindo que o mundo permanecerá, estando ele presente ou não, porque ignora a questão da permanência da alma e o modo do retorno da mesma ou  porque  presume que há forte sofrimento na morte, diferente do sofrimento pelas doenças que talvez o tenham acometido e foram a causa de sua aniquilação ou porque acredita que suas punições se apossarão dele após a morte ou porque está atônito, não sabe para  onde  irá  após a morte ou porque lamenta por aquilo que deixará em riqueza e posses. Tudo isto são presunções falsas, não têm veracidade.
Quanto à ignorância a respeito da morte e não saber o que ela é, esclarecerei que a morte não é senão a alma deixar de utilizar seus instrumentos, que são os órgãos cuja soma chama-se corpo, tal como um artesão abandona seus instrumentos.
A alma é uma substância não corpórea, não está sujeita e nem é receptiva à corrupção. Este esclarecimento necessita de conhecimentos que o antecedem. Isto está esclarecido e explicado em seu devido lugar[4].  Se esta substância abandonar o corpo, ela permanece e esta permanência lhe é própria, isenta das moléstias da natureza , feliz,   cuja felicidade é completa; não havendo meio para seu aniquilamento e para sua não existência. A substância não se aniquila enquanto é substância; sua essência não se aniquila, entretanto os acidentes, as particularidades, as relações e as correlações que existem entre a mesma e os corpos se anulam por intermédio de seus contrários. Quanto à substância, ela não tem contrário; cada coisa que se corrompe, se corrompe por seu contrário. Se você observar a substância corpórea, que é mais vil do que a substância nobre, a encontrará não sujeita à aniquilação e à destruição enquanto substância, mas  uma substância em relação à outra modifica-se. Deste modo, rejeita-se alguma coisa própria da substância e rejeita-se seus acidentes.
Quanto à própria substância, ela permanece e não há meio para sua não existência e seu aniquilamento. A substância espiritual[5]  não aceita transformação nem alteração em sua essência, aceita , porém,  a completude e as perfeições de sua forma.  Como então imaginar nela o não-ser e a destruição?
Quem tem medo da morte porque não tem ciência para onde irá sua alma ou porque presume que se seu corpo sofrer dissolução e sua constituição aniquilar-se, se aniquilariam tanto sua essência como sua alma e, além disso, ignorando a permanência da alma e a qualidade do retorno[6], então, na verdade, não tem medo da morte mas, ignora o que é necessário saber. A ignorância é o medo e a causa do medo  da morte,  e esta ignorância é o que levou os sábios a desejarem o conhecimento e a dedicação em função deste, bem como a abandonarem os prazeres do corpo e o repouso do mesmo, optando pela aplicação e pela vigília. Perceberam que o descanso de se libertar da ignorância é o verdadeiro descanso e o verdadeiro cansaço é o cansaço da ignorância porque esta é uma enfermidade que está na alma e eximir-se dela é libertação e descanso duradouro e prazer eterno.
Quando os sábios creram nisso, refletiram e procuraram a verdade a respeito ,  alcançando  a mesma pelo intelecto e, assim, obtendo tranqüilidade, todas as questões terrenas ficaram simples para eles. Vilipendiaram tudo que as pessoas em geral consideram importante, como dinheiro e riqueza, os prazeres sensíveis e os desejos que levam a estes prazeres. Se os desejos forem de pouca afirmação  e permanência, rapidamente perecem e desaparecem; trazem muitas preocupações quando existem e imensas aflições quando não existem, então os filósofos os evitaram na medida do necessário na vida e se consolaram com o mérito de viver nesta vida sem os vícios que mencionei e não mencionei também, porque estes não levam a um objetivo. Pois, se o ser humano alcançar um propósito nesta vida, é levado a outro propósito, sem limite nem término num limite. Esta é a morte da qual não se deve ter medo, e o empenho pela mesma[7]  é o empenho pelo efêmero, dedicar-se a ela é dedicar-se ao fútil; por isso, segundo o juízo dos filósofos, a morte são duas mortes. Uma voluntária e outra natural. Também, a vida são duas vidas: uma vida voluntária e outra natural - quiseram significar por morte voluntária, a morte da concupiscência e o abandono da exposição a ela e quiseram significar por vida voluntária aquilo em função do qual o homem se esforça na vida terrena no que diz respeito a alimentos, a bebidas e à concupiscência e quiseram significar por vida natural, a permanência da alma, duradoura na felicidade eterna pelo que adquire de benefício através do conhecimento e isenção da ignorância – por isso o filósofo[8]  Plotino, que Deus conceda o descanso à sua tumba, que perquiriu a sabedoria; recomendou e disse: “morra voluntariamente, viverás naturalmente”.        As  pessoas que têm medo da morte natural, têm medo do que é necessário suplicar, porque a pessoa é um “vivente racional, mortal”. Então, a morte é perfeição e completude e por ela atinge-se o mais alto grau de entendimento. Quem souber que toda coisa é composta por sua própria definição e sua definição é composta por seu gênero e suas diferenças (específicas) e que o gênero da pessoa é o vivente e  suas diferenças são as coisas racionais e as mortais,  sabe que depende de seu gênero e de suas diferenças porque todo composto, sem dúvida, depende da coisa a partir da qual foi composto. Quem ignorar aquilo do qual  está  tendo medo a perfeição de sua essência  e qual é a pior situação,  quem estimar que sua própria aniquilação se dá através de sua vida e sua imperfeição se dá através de sua perfeição, e, ainda,  se o imperfeito tiver medo de se aperfeiçoar,  ignora a si mesmo no máximo  da ignorância. Então, é dever daquele que compreende, entristecer-se com a imperfeição e ser afável com a perfeição, procurar tudo que o aperfeiçoa,  o completa e o dignifica e eleva sua situação. Deve desvincular-se do aspecto que acredita levá-lo ao medo e  não se desvincular do aspecto  que fortalece sua certeza e o acrescenta quanto à sua constituição  e ao seu comprometimento. Assim, terá certeza  que se a substância  divina, nobre, ficar livre da substância corpórea grosseira, porém, uma libertação pura e sincera e não uma libertação mesclada e obscura, então atingirá o mundo mais elevado  e retornará à Sua soberania e se aproximará de seu Criador;  passará para a proteção do Senhor dos mundos e estará na companhia dos espíritos agradáveis, parecidos e semelhantes a ele e ficará salvo de seus opostos e seus diferentes.
A partir disto,  sabemos  que aquele  cuja  alma separar-se de seu corpo porém, desejosa do corpo,  compadecida, temendo a separação  deste corpo, esta alma está no máximo do infortúnio e da dor em sua essência, e sua substância se distancia do aspecto de sua permanência, desejando a sua própria permanência para   estabelecer-se nela.
Quanto a quem presume que a morte é uma dor terrível, diferente da dor das enfermidades que talvez tenham  se lhe apresentado, sua presunção é falsa porque a dor se dá por apreensão e a apreensão pertence ao vivente e  o vivente é  quem recebe a influência da alma. O corpo que não tem influência da alma, não sente dor e nem tem sentidos[9]. Então, na morte, que é a separação da alma do corpo, não há dor porque o corpo só  sente dor e tem sensação por intermédio da alma e a concretização da influência da mesma no corpo; se se tornar apenas corpo, não haverá  influência sobre a alma, não haverá sentidos nem dor.
Ficou esclarecido, então, que a morte é uma situação para o corpo que se dá pela separação da alma deste corpo, a morte não será sentida nem traz dor, porque havia sensação e dor por intermédio da alma. Quanto a quem tem medo da morte por causa da sanção, então, na realidade, não tem medo da morte, mas tem medo da sanção; a  sanção  se dá sobre alguma coisa que permanece após a morte; então, sem dúvida ,  este reconhece suas culpas e suas  ações más,  merecedoras de punição. Com isto, reconhece um legislador justo que sanciona  pelas coisas más e não pelas boas ações. Portanto, quem tem medo da morte, tem medo de seus pecados e não da morte. Quem tem medo de seus pecados lhe é   um dever evitar esses pecados. As más ações  chamam-se  pecados e procedem de disposições más;    ‘mencionamos e lembramos seus contrários, ou seja, as virtudes’. Quem tem medo da morte sob esta forma e este aspecto, então ignora aquilo do que deve ter medo e tem medo daquilo que não exerce influência nem medo. Quem adquirir conhecimento, se afirma e quem se afirmar conhecerá a via da felicidade e, então, seguirá esta via. Quem  segue o caminho da retidão visando a um objetivo, será , sem dúvida,  conduzido a este objetivo. A afirmação que acontece por intermédio do conhecimento, é a certeza e a situação daquele que reflete sobre sua religião e está apegado à sabedoria da mesma.
Quem  diz não ter medo da morte mas se entristece por deixar família, filho e riqueza e lamenta o que perderá de  deleites e concupiscências do mundo, é necessário mostrar-lhe que o entristecer-se por algo que é imprescindível que aconteça, não há esforço útil por este algo. O ser humano está entre os vários elementos  que existem por geração, engendrados corruptíveis. Todo  ser engendrado, sem dúvida,  é corruptível. Quem almeja não ser corruptível, então almeja não existir e quem almeja não existir almeja a corrupção de si próprio; é como  se almejasse ser corruptível e almejasse não ser corruptível , almeja existir e não existir. Isto é impossível, não ocorre a quem intelige. Também, se fosse possível ao ser humano permanecer[10], os nossos antecedentes teriam permanecido. Se todas as pessoas permanecessem com suas descendências e não morressem, a Terra não os comportaria. Você pode refletir sobre isto que estamos dizendo.
Foi estimado que um só homem que existisse desde há 400 anos até hoje e pertencendo a pessoas famosas, para que seja possível fazer o censo de seus filhos existentes, como por exemplo o Príncipe  dos Crentes  ‘Ali Ben  Abi  Tálib[11],  que a paz recaia sobre ele,  que tem filhos e seus filhos também têm filhos e permanecessem  também gerando filhos e ninguém deles morresse. Calcule a quantidade  dos mesmos em nosso tempo e encontrarás mais do que dez mil homens; calcule também todos os que  viveram neste século[12] na superfície da Terra, tanto no Oriente como no Ocidente da mesma. Se duplicar este número, não haverá uma multiplicidade[13]  que os abranja nem uma quantidade que os conte. Calcule a superfície da Terra. É  uma superfície conhecida e limitada. A Terra não os comportaria nem em pé nem amontoados, como então os comportaria sentados à vontade? Não restará lugar para construção nem lugar para o plantio nem trânsito para alguém nem  haverá um movimento mais prioritário que outro. Tudo isto  considerando  um tempo pequeno. Como seria então se se aumentar o tempo considerado e as pessoas duplicarem nesta proporção?
Esta é a situação de quem sente concupiscência   pela vida eterna e tem aversão pela morte e estima que isto seja  possível[14], em função da ignorância e de nada  entender a respeito.  Então,  a sabedoria Divina eloqüente e a justiça ampla do governo imparcial, é Retidão que não tem ninguém  justo superior a  Ele. Ele é o máximo da generosidade e não tem  propósito de vantagem.  Aquele que tem medo da morte, tem medo da justiça de Deus e de Sua sabedoria, tem medo de Sua generosidade e de Sua doação. Portanto, a morte não é perniciosa, pernicioso é o medo da  mesma. Quem tem medo da morte ignora-a e ignora a essência da mesma.
A verdade sobre a morte é a separação da  alma do corpo. Nesta separação não há corrupção da alma, é corrupção da composição do corpo. A substância da alma  que é a essência do ser humano e sua parte mais importante e, também, sua redenção, permanece e não é corpórea. Acompanha-a o que acompanha os corpos, porém, nada de acidentes dos corpos a acompanha, tais como, a competitividade quanto a lugar porque não necessita de  lugar e não se empenha quanto à permanência temporal porque prescinde do tempo.  Mas o benefício desta substância através dos sentidos e dos corpos é completude para a mesma. Se se completar por intermédio destes[15] e depois  desvincular-se dos mesmos, dirige-se para o seu mundo[16] nobre, próximo de seu Criador e de sua procedência, Querido e  Excelso seja.
O homem que pratica uma caridade por seu irmão falecido ou supre uma  dívida do mesmo, fica feliz pela felicidade deste falecido –  porque se a alma for una, o próprio praticante da caridade,  e esta outra alma e as outras almas são uma só coisa mas, se esta alma for múltipla[17], o caridoso somente praticará esta amabilidade por esta alma em função de sua  semelhança a ela - e essas almas  semelhantes são como se fossem uma só coisa.


Apesar de ter sido defensor do espírito racionalista e científico, Avicena mostra o apreço que tinha por sua religião.