quinta-feira, agosto 4

POEMA EM LINHA RETA - Fernando Pessoa

    Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
    Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
    E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
    Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
    Indesculpavelmente sujo,
    Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
    Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
    Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
    Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
    Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
    Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
    Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
    Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
    Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
    Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
    Para fora da possibilidade do soco;
    Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
    Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
    Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
    Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
    Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
    Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
    Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
    Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
    Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
    Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
    Ó príncipes, meus irmãos,
    Arre, estou farto de semideuses!
    Onde é que há gente no mundo?
    Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
    Poderão as mulheres não os terem amado,
    Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
    E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
    Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
    Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
    Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
    Álvaro de Campos

Um pouco de Juvenal Arduini...


"O ser humano é ambivalente. Conhecido e estranho, próximo e distante, transparente e opaco. O ser humano canta e protesta, dança e agride, congrega e dispersa. O ser humano é diáfano e indevassável, lúcido e nebuloso, acessível e inabordável. Circula pelas ruas, mas também recolhe-se na intimidade. O ser humano expande-se festivamente e tranca-se amargamente. É lógico e ilógico.
O ser humano é linguagem pluriforme. Fala e silencia, grita e emudece, gargalha e enclausura-se. O ser humano é palavra ofertada e palavra recusada. E recusar a palavra aos outros é rejeitá-los. O ser humano é fonte exuberante de comunicação, e também núcleo rígido de incomunicação. Comunicabilidade e incomunicabilidade são duas faces do existir humano. O ser humano é diálogo fecundo e monólogo estéril.
O ser humano é torrente de amor. Amar é expressão de vida, êxtase, paixão, impulso vital. É Eros. Mas o ser humano pode também gotejar ódio feroz. O ódio é filho de Tânatos. O ser humano é mistura de Eros e Tânatos. Quando o amor se perverte, converte-se em ódio implacável. Seres que se amavam apaixonadamente passam a odiar-se rancorosamente. E o “amante” chega a assassinar o  “ amado”.
O ser humano é fértil em criações. Cria vida, saúde, pão, paz, ciência, tecnologia. Mas o ser humano é também niilista. Incinera o mundo. Basta ver a guerra. O ser humano constrói maravilhas, mas também pode arrasá-las. Planta a semente e desintegra a germinação.
Pai luta para ter filho; e pai estupra a carne de sua carne. Mãe sangra para sustentar o filho; e mãe abandona ou estrangula o recém-nascido.
O ser humano sente necessidade de convivência e solidariedade. Mas é também anti-social. A discriminação, o fanatismo e o sectarismo esfiapam o tecido da sociabilidade. O ser humano fascina. As pessoas seduzem pelo amor e pela beleza, pela inteligência e pela bondade. Mas também as pessoas intimidam e ameaçam com violências e assassinatos. O ser humano cativa com afeição e algema com servidão.
O ser humano é águia altiva que recorta horizontes vastos. E é também verme que rasteja. O ser humano empolga pelos avanços científicos e históricos, e frustra pela vulgaridade e pelo aviltamento. A fronte do ser humano roça a face de Deus, mas seus passos escorregam na lama. O ser humano dignifica-se pela fidelidade e abastarda-se pela traição.
O ser humano é paradoxo antropológico. Muitos exaltam a grandeza do ser humano. Outros muitos lhe estigmatizam a vileza. O ser humano não se define por conceito matemático. É seqüência de contrastes. É campo de “joio e trigo”. É ser em devenir. Pode acertar e pode errar. Pode fazer-se e desfazer-se. Mas abriga potencial para re-fazer-se. O ser humano é capaz de eliminar o ódio, a perversidade, a destruição. E pode propulsar energias criadoras inteligentes que amadureçam a consciência, redirecionem a liberdade, cultivem o amor, promovam a justiça, efetivem a solidariedade e assumam a responsabilidade.
O ser humano é oscilante. É paradoxo. Avança e recua, atrai e expulsa, ergue-se e recai, edifica e pulveriza, arrisca-se e amoita-se. O ser humano não é apenas herança. É decisão. É gênese existencial. É conquista de todos os dias. Lidar com o ser humano é lidar com o paradoxo."

Só sei que nada sei


Saber que nada se sabe, é o passo mais importante de toda filosofia de Socrátes e uma das maiores contribuições para a arte do filosofar. Embora muitos filósofos façam oposição a esse fundamental mestre do pensamento ocidental, é de se reconhecer o grande mérito de sua tomada de consciência sobre a própria finitude do ser humano, a fronteira entre cada homem e aquilo que ele chamaria de ente oculto.
O mestre de Platão dá a essa experiência, do ente fora de alcance, o sutil nome de ignorância, afinal tal experiência revela o próprio saber humano. Saber-se ignorante é ter contato com a essência da verdade, a qual implica necessariamente na Verdade Absoluta, o que também poderíamos chamar de Ente ou Substância Suprema, Absoluto ou Uno.
Uma vez que tomamos consciência deste caráter metafísico da verdade, nos livramos de qualquer pretensão de rete-lá, hegemoniza-la, ou termos plena posse dela. O que nos deixa mais livres para contemplar a beleza de um pensamento que se submete à urgências, prazos e objetivos estagnantes. Diante de tal possibilidade é prazerosamente viável uma filosofia desprovida de qualquer proselitismo.
         A conhecimento da própria ignorância nos faz olhar com mais solicitude e critério para a realidade e para os objetos. Aquele que não se sabe desconhecedor ouve em tudo uma eco de si próprio, ao invés de se abrir para os sentidos próprios de cada aspecto que se desvela a sua frente. A autêntica reflexão busca saber o que as coisas realmente são e não o que desejamos que elas venham a ser.

A ESTÉTICA FILOSÓFICA


A palavra estética vem do grego aisthesis e significa "faculdade de sentir", "compreensão pelos sentidos", "percepção totalizante". Sendo, em primeiro lugar, individual, concreta e sensível, oferece-se aos nossos sentidos; em segundo lugar, sendo uma interpretação simbólica do mundo, sendo uma atribuição de sentido ao real e uma forma de organização que transforma o vivido em objeto de conhecimento, proporciona a compreensão pelos sentidos; ao se dirigir, enquanto conhecimento intuitivo, à nossa imaginação e ao sentimento, toma-se em objeto estético por excelência.
Do ponto de vista estritamente filosófico, a estética estuda racionalmente o belo e o sentimento que este desperta nos homens. Em especial, no período Clássico, a idéia do Belo desempenha importante papel. Todavia, a obra de Plotino sobre o belo possui uma tônica de misticismo que é pouco especulada nos tempos atuais; sente-se nela o desejo e o esforço de uma alma que quer se encontrar e ao mesmo tempo se perder no Uno universal e inefável. Esse arrebatamento da alma, esse êxtase foi que impressionou Bergson ao ler as Enéadas, o que explica o fato de o autor das Duas Fontes Ter colocado Plotino acima de todos os filósofos.

A Beleza, essa beleza que também é o Bem, deve ser colocada como primeira realidade. Imediatamente depois dela vem a inteligência, que é uma manifestação proeminente da Beleza. A Alma é bela mediante a Inteligência. As outras belezas, por exemplo as das ações e ocupações, provêm do fato de  a Alma imprimir nelas a sua Forma, a qual também é responsável por toda a beleza que há no mundo sensível, pois sendo um ente divino, um fragmento da Beleza primordial, ela torna belas todas as coisas que toca e domina, contanto que ela mesma participe da Beleza. (PLOTINO, 2002, p. 30).

Ao estudarmos Plotino em Estética, podemos verificar uma filosofia que quer ser síntese não repetitiva, ensina afirmando: o homem ou sua alma, deve se esforçar, livremente, para buscar o caminho da perfeição, alcançando a visão direta ou o caminho experencial com o Uno-Bem-Belo-Infinito, fonte e meta de tudo, portanto, também da alma. Esta, para alcançar este fim, deve se converter e se tornar noûs, mediante o retorno constante ao seu Princípio, autoconstituindo-se hispóstase pela visão pluralizada a partir da unidade absoluta e total com o Uno-Infinito. Esta experiência infinita faz com que a alma alcance a plenitude de sua liberdade, tornando-se consciência do que sempre foi, a saber, desde sua origem, parte do mundo do espírito.
E assim podemos afirmar concluindo, com Plotino, que o real nunca é a somatória de elementos de uma existência separada, múltipla, mas é essencialmente polaridade de termos que se sustentam, ou seja, unidade, no sentido mais absoluto do termo.

terça-feira, maio 3

I Simpósio de Filosofia Patrística e Medieval da Faculdade São Bento




Tema: O medievo e a hermenêutica do mal

Dias 09 e 10 de maio de 2011

no Anfiteatro da Faculdade São Bento de São Paulo

Conferencistas:

Prof. Dr. Lorenzo Mammi (Usp)

Prof. Dr. Jorge Augusto da Silva Santos (Ufes)

Prof. Dr. Paulo Ricardo Martines (Uem)

Prof. Dr. Roberto H. Pich (PUC)


As inscrições serão de 07 de março a 18 de abril. Ligar para 11-3328-8796 ou email: m.gracioso@terra.com.br 

sábado, abril 23

Repensando a Vida

Por sentir-me “contemplando o passado com os olhos voltados para a eternidade”, é que partilho com os amigos o texto de Leonardo Boff, que traz uma reflexão profunda e pessoal sobre a vida e o envelhecer ao completar seus 70 anos.
Completo 70 anos. Pelas condições brasileiras, me torno oficialmente velho. Isso não significa que estou próximo da morte, porque esta pode ocorrer já no primeiro momento da vida. Mas é uma outra etapa da vida, a derradeira. Esta possui uma dimensão biológica, pois irrefreavelmente o capital vital se esgota, nos debilitamos, perdemos o vigor dos sentidos e nos despedimos lentamente de todas as coisas. De fato, ficamos mais esquecidos, quem sabe, impacientes e sensíveis a gestos de bondade que nos levam facilmente às lágrimas.
Mas há um outro lado, mais instigante. A velhice é a última etapa do crescimento humano. Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que completar nosso nascimento ao construir a existência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades e ao moldar o nosso destino. Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabar de nascer. Então entramos no silêncio. E morremos.
A velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer, madurar e finalmente terminar de nascer. Neste contexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: "na medida em que definha o homem exterior, nesta mesma medida rejuvenesce o homem interior" (2Cor 4,16). A velhice é uma exigência do homem interior. Que é o homem interior? É o nosso eu profundo, o nosso modo singular de ser e de agir, a nossa marca registrada, a nossa identidade mais radical. Esta identidade devemos encará-la face a face.
Ela é pessoalíssima e se esconde atrás de muitas máscaras que a vida nos impõe. Pois a vida é um teatro no qual desempenhamos muitos papéis. (...) Mas há um momento em que tudo isso é relativizado e vira pura palha. Então deixamos o palco, tiramos as máscaras e nos perguntamos: Afinal, quem sou eu? Que sonhos me movem? Que anjos que habitam? Que demônios me atormentam? Qual é o meu lugar no desígnio do Mistério? Na medida em que tentamos, com temor e tremor, responder a estas indagações vem à lume o homem interior. A resposta nunca é conclusiva; perde-se para dentro do Inefável.
Este é o desafio para a etapa da velhice. Então nos damos conta de que precisaríamos muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina. Surpresos, descobrimos que não vivemos porque simplesmente não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgar novos horizontes e criar sentidos de vida. Especialmente para tentar fazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhos que nos sustentaram por toda uma vida, reconciliando-nos com os fracassos e buscando sabedoria. É ilusão pensar que esta vem com a velhice. Ela vem do espírito com o qual vivenciamos a velhice como a etapa final do crescimento e de nosso verdadeiro Natal.
Por fim, importa preparar o grande Encontro. A vida não é estruturada para terminar na morte, mas para se transfigurar através da morte. Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidade e encontrar a Última Realidade, feita de amor e de misericórdia. Aí saberemos finalmente quem somos e qual é o nosso verdadeiro nome.
Nutro o mesmo sentimento que o sábio do Antigo Testamento: "contemplo os dias passados e tenho os olhos voltados para a eternidade".
Leonardo Boff

quinta-feira, abril 14

Deleuze e a questão da Educação


Prof. Jackislandy Meira de M. Silva

Para Gilles Deleuze, filósofo e pensador francês do século passado para quem a Filosofia precisa trazer no seu bojo uma habilidade do sujeito para com o mundo das coisas “já feitas”, imputando nelas conceitos como consequência de um movimento, de um fluxo, de uma torrente de vida que procura distinguir o real do virtual, é muito importante que o debate educacional seja eminentemente crítico.

Não uma crítica pela crítica, mas a crítica pelo esclarecimento, onde o educador jogue luzes sobre um mundo a ser conhecido, a ser tomado pela reflexão.

O que dá sentido à Filosofia, no entender de Deleuze, é uma teoria das multiplicidades, impregnada pelo devir de Heráclito de um modo processual de movimentos, assumidamente intenso e extenso que dificilmente poderíamos trocar em miúdos aqui, devido à escassez de tempo e de espaço.

Todavia, aventurando-se a tocar na cerviz de seu pensamento, é notório conceber dois tipos de multiplicidades(extensivas e intensivas) que substitui o velho dualismo entre o uno e o múltiplo por outro, na medida em que essas multiplicidades não pertencem a dois mundos separados, incomunicáveis, opostos, mas pertencem a um só e mesmo mundo. Por Deleuze, mostra-se para nós, uma Filosofia intensamente pragmática, na qual experimentar é sua constante palavra de ordem. “Não basta dizer VIVA O MÚLTIPLO. É preciso fazer o múltiplo” (Gilles Deleuze, Mil Platôs, pág. 14).

Algo interessante no problema educacional é habilmente percebido por Deleuze que reconhece algo de mistério no aprender. O aprender é consequência de um encontro intempestivo e sem finalidade com o heterogêneo de uma multiplicidade intensiva.

Nunca se sabe como uma pessoa aprende; mas, de qualquer forma que aprende, é sempre por intermédio de signos, perdendo tempo, e não pela assimilação de conteúdos objetivos” (Gilles Deleuze, Proust e os signos, pág. 21. 2003).

Deleuze estabelecia com as ondas do mar uma relação de muita estranheza, tanto é que adorava dar o exemplo do aprender a nadar como constituindo justamente esse encontro com o heterogêneo:

O movimento do nadador não se assemelha ao movimento da onda; e, precisamente, os movimentos do professor de natação, movimentos que reproduzimos na areia, nada são em relação aos movimentos da onda, movimentos que só aprendemos a prever quando os aprendemos praticamente como signos. Eis porque é tão difícil dizer como é que alguém aprende: há uma familiaridade prática, inata ou adquirida, como os signos, que faz de toda a educação algo de amoroso, mas também de mortal. Os nossos únicos mestres são aqueles que nos dizem ‘faça comigo’ e que, em vez de nos proporem gestos para reproduzir, sabem emitir signos a serem desenvolvidos no heterogêneo” (idem, Diferença e repetição, p. 54, 1988).

Portanto, a violência travada no encontro com o diferente não impede que se entre em ressonância com ele. Até porque, para Deleuze, apaixonar-se é aprender, mas talvez, ousássemos inverter a definição e afirmar que aprender é apaixonar-se.

Apaixonar-se é individualizar alguém pelos signos que (esse alguém) traz consigo ou emite” (idem, Proust e os signos, p. 7, 2003).


jackislandy Meira de Medeiros Silva - jacksil05@yahoo.com.br


Para saber mais:

Deleuze foi professor e filósofo francês que, não escreveu sobre a educação. Porém suas reflexões são inusitadas, diferentes, inconformistas. Atributos que não faltam à vasta produção desse pensador. Graduado em Filosofia na Sorbonne, Deleuze foi professor secundário de Filosofia, pesquisador e professor universitário. O vigor e o inusitado, o inspirador e a consistência que marcaram seu pensamento justificam o deslocamento da obra de Deleuze para o campo da Educação.

Filósofo francês nascido em 1925, Gilles Deleuze foi contemporâneo e amigo de Michel Foucault. O seu grande contributo para a Filosofia reside em grande parte na vasta quantidade de estudos dedicados à sua história. Na opinião de Deleuze, a Filosofia, tal como qualquer outra disciplina, possuí uma função específica: criar conceitos. São os conceitos que impedem que o pensamento seja confundido com "uma simples opinião".

quinta-feira, abril 7

Diálogo o início do educar: Paulo Freire

Joelson Silva de Araújo

Não podemos negar a contribuição que esse educador deu para a construção de uma educação crítica e consciente das ações realizadas no presente, tendo em vista um futuro melhor. Só conseguimos desenvolver e melhorar a nossa educação quando primeiramente tivermos um plano, com objetivos delimitados e metas a serem alcançadas; porém não é só o projeto que desenvolve a educação, e sim a realização desse projeto, que parece ser o que falta no Brasil, parece que falta também paciência para se observar o desenrolar desses projetos. Diante disso, é fundamental que nós pensemos que os problemas educacionais não são resolvidos de uma hora para outra, é preciso haver um controle que não interrompa a execução de projetos de médio e longo prazo. O problema brasileiro não é a construção de projetos para a melhoria da educação; observamos o quanto é grandioso o acervo de projetos que nos é apresentado nas escolas, nos estados, nas regiões. O que importa não é a quantidade de projetos, e sim a execução integral desses projetos que não presenciamos no país, quer dizer há uma interrupção na execução desses planos, por motivos políticos e individuais. 
 
É muito proveitoso pensar que em nosso país, como até mesmo em nossos municípios, há sempre interesses particulares que acabam com metas educacionais, com objetivos e principalmente com os resultados que se têm em vista. Isso desvia a educação do caminho certo, pois os interesses coletivos devem se sobrepor aos interesses particulares, principalmente na educação. Para alcançarmos resultados na educação é fundamental que planejamentos construídos pelos educadores brasileiros sejam executados de forma integral, mesmo sabendo que é um processo lento em que há uma contínua construção. Porque assim podemos saber em que progrediu o ensino nesse tempo, podemos também saber o que não deu certo nesse plano para que assim depois haja uma coação, deixando para trás as idéias que não foram proveitosas e estudando, dialogando novas formas para a melhoria do sistema educacional. È preciso fazer isso, que se trace um paralelo e haja uma mobilização na construção de uma boa educação para todos. Porém isso não parece acontecer muitas vezes em nosso país. Pois na maioria das vezes nos centros e principalmente nos recantos brasileiros há uma individualização da educação onde poucos decidem o futuro de muitos sem haver um diálogo crítico envolvendo toda a sociedade. Grupos agindo de forma autônoma, ou seja, fazendo suas próprias leis. Só que essa autonomia que podemos denominá-la de autonomia exclusivista, ou seja, que exclui a participação de grande parte dos envolvidos na prática das ações concernentes a educação; essa atitude tomada de forma livre por parte de poucos, muitas vezes atrapalha projetos que estão em andamento para o benefício da população. Isso se torna mais simples quando vemos que planos de instituições educacionais são simplesmente engolidos por outros planos que chegam em decorrência de uma nova gestão. Quer dizer, há uma construção durante certo tempo para que se avalie e melhore a educação, é há o interrompimento desse trabalho pela simples mudança de administração. a educação não pode ser tratada dessa forma, tem que se ir além desse pensamento de que em uma gestão se pode resolver os problemas apresentados; é preciso que se construa políticas que priorizem a realização de forma integral de projetos, independentemente de mudanças administrativas em qualquer instituição educacional. A educação tem que ser pensada não como um problema que temos que resolver, mas como uma construção a qual nós, obrigatoriamente devemos estar empenhados em sempre torná-la melhor. Como será que conseguimos isso? 
 
Paulo Freire olhou atentamente para nossa educação para justamente tentar resolver essa pergunta. A conscientização pode ser considerada uma das respostas para essa pergunta, pois quando um povo se conscientiza dos seus problemas pode muito bem buscar formas de resolvê-los; a conscientização é o passo fundamental, porém só o conscientizar em si não resolve, pois é preciso que todos se empenhem em transformar aquilo de que a sua consciência é consciente. É preciso que a práxis, no sentido marxista, seja a grande guia nessa transformação social, fazendo com que ele reflita e em seguida lute para transformar os reflexos antes lhe apresentados. 
 
Quando pensamos em educação temos que ter em vista que não se consegue transformar o ensino em apenas um ou dois anos. Esse processo pode levar décadas para se realizar, isso se houver, é claro, um planejamento específico e direcionado para os problemas apresentados. Interesses políticos fazem disso um desafio a ser superado. Ainda vemos muito pessoas, gestões, oligarquias que ao assumirem uma determinada instituição pensam logo em fazer um novo plano ou já tem um plano novo; sem parar para refletir que já há um projeto sendo realizado. O problema é que essas interrupções na maioria das vezes não contribuem, pois acabam tirando a chance de se obter resultados para a futura construção de um plano melhor. 
 
Não é somente na elaboração de projetos referentes a escola como um todo que há essa falta de diálogo, muitas vezes há um desrespeito com o próprio educando que é o principal atingido com essa transição equivocada. Isso é visto por Paulo Freire como uma falta de respeito ao educando, na medida em que não há um diálogo do “educador” com o educando. Isso não contribui para uma sintonia governamental. Pois o professor não sabe a realidade do aluno, passa conteúdos sem haver uma preocupação com a pessoa, a humanidade do aluno. 
 
Tratando dessa falta de diálogo, Paulo Freire coloca muito bem, no livro Pedagogia da Autonomia que essa construção, esse processo, essa edificação de uma educação crítica exige um respeito ao educando. É interessante, que muitos “educadores” não ouvem seus alunos; e na obra Freiriana já citada (Freire,p.30, 1996) há um questionamento sobre essa não participação do educando na construção de uma boa educação, o questionamento aparece da seguinte forma:

Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? [...] por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade?” 
 
Com essas palavras, faz se referência a criticidade que precisamos na educação, em que haja uma construção, a partir de perguntas e não a imposição educacional por parte dos gestores. É importante que cada gestor saiba utilizar sua autonomia de forma inclusivista, ou seja, que inclua as idéias que lhe são oferecidas até mesmo por parte dos alunos, para que assim as normas e o próprio ensino seja autônomo por parte de todos. Para que assim se estabeleça uma grande e fundamental parceria entre os dois maiores beneficiados: o educador e o educando para que assim construam uma boa educação, guiada e direcionada para a melhoria de toda a sociedade. A educação precisa ser feita por todos, pois é ouvindo as diversas partes que a compõem que se detectam os problemas e assim se propõem novas idéias para resolvê-los; tendo como principais protagonistas todos aqueles que vêem um país melhor emergindo no horizonte de esperanças que se mostra vivo no coração e na mente dos brasileiros.

Quando falamos de educação de qualidade não podemos esquecer que para tê-la como realidade é fundamental que se exercite o diálogo, como início de um processo sempre aberto, um diálogo crítico que mostre realmente o melhor para todos. É isso que podemos captar de uma parte do pensamento de Paulo Freire, destacando o diálogo como espinha dorsal para o desenvolvimento da educação e para o permanecimento da mesma, como espaço sempre aberto para discutir e aperfeiçoar o intelecto desenvolvendo a vida humana.
Aluno de Filosofia. Caicó - Rio Grande do Norte/RN.

quinta-feira, março 31

A Ressignificância da unidade entre o Ensino e a Aprendizagem


Prof. Geverson Luz Godoy*

A pedagogia tradicional, bancária como dizia Paulo Freire, por acreditar no depósito de conhecimento que outrora seria propriedade do professor, tinha o professor como o centro do processo Educativo, sendo este processo conhecido como magistrocêntrico.
 
Passado algum tempo, hoje compreendemos a educação de outra forma. Sabemos que o ensino não garante a aprendizagem, porém não há significado existir o ensino, caso não exista a aprendizagem. O ensino seria estéril e inútil sem a aprendizagem. Por este motivo temos acreditado nestes novos tempos, no século do conhecimento, que é necessário ressignificar a unidade entre, ensino e aprendizagem.

Falamos em ressignificação, ou seja, recriar o significado, transformar o já formatado. Para isto, na maioria das vezes é necessário desorganizar o que já parece pronto. Referimo-nos a transformação, processo onde todos são co-responsáveis por parte do crescimento. Por este motivo buscamos instrumentos de trabalho, onde o foco do conhecimento não é o professor, e sim o sujeito do conhecimento, aquele que busca o conhecer, seja ele o professor ou o aluno dentro da comunidade de aprendizagem investigativa.
   
Dentro da proposta do Centro de S.E.R. – Sistema de Ensino Reflexivo, este processo esta baseado em uma metodologia sócio-histórico-construtivista, fundamentado em uma visão humanista, onde é valorizado o conhecimento que o aluno traz de sua vida que não está vinculada somente ao banco escolar. Todo local é lugar de aprendizagem, porém na escola, podemos ressignificar o que acontece em nossas vidas, ligando o conceito com a prática. O aluno sabe fazer a prática e, o professor ajuda-o a conceituar as suas atitudes.
O conhecimento é algo que está dentro do individuo e suas relações, primeiro consigo mesmo, depois com os outros e com o mundo. O sujeito não adquire o conhecimento por meio de cópia do que lhe parece real. É através de suas capacidades, habilidades e competências, que o aluno constrói juntamente com os demais indivíduos da comunidade de aprendizagem investigativa novos conceitos que dão significado ao seu existir, oportunizando a toda comunidade de aprendizagem novas possibilidades de ação.
Dentro do processo de ensino e aprendizagem, o “erro” possui o seu valor didático pedagógico, onde o sujeito da aprendizagem constrói as suas representações, que dentro de sua logicidade, possui verdadeiro sentido, que podem ser melhoradas com a ajuda do olhar da comunidade, incorporando novas ideias, transformando o já pensado em reflexão, alcançando um nível superior de conhecimento.
A intervenção pedagógica deve atentar-se ao que denominamos idade cognitiva do aprendente, ao que compete o amadurecimento da compreensão dos alunos durante os estudos de fórmulas e conceitos. Deve-se ainda, levar em consideração, os conhecimentos que se apresentam em forma de senso comum pelos alunos, mas que podem ser lapidados pela comunidade, oferecendo o professor uma contribuição construtiva.

Estas são algumas pistas para alcançarmos o conhecimento dentro da comunidade de aprendizagem investigativa, onde o conhecer não é decorar fórmulas e regras matemáticas ou gramaticais. Para alcançar o conhecimento, o sujeito que o busca passa por um processo de modificação, aceitabilidade, reorganização, plasticidade e construção no que diz respeito à assimilação e interpretação de conteúdos estudados.
A assimilação e interpretação de conteúdos, além de serem apropriações culturais e sociais, são propriedades do sujeito, portanto o sentido obtido do conhecimento é ainda subjetivo, fazendo do sujeito co-reponsável e co-autor de seu processo formativo.

O conhecimento subjetivo é de estrema importância na perspectiva da aprendizagem, pois implica no simbolismo que é dado pelo aluno á parcela da realidade estudada, juntando com a percepção simbólica de toda a comunidade e fazendo relações entre a teoria e a prática.

Dentro desta perspectiva compreendemos a participação do professor como parte da comunidade de aprendizagem investigativa, mediador de conhecimentos, aquele que se ocupa como facilitador na aprendizagem, transformador e ressignificador de conceitos. Os conceitos são ferramentas que desenvolvem nos educandos habilidades de raciocínio que os levam a pensar com uma melhor qualidade e clareza, direcionando-os para um pensamento com excelência.


Assessor filosófico-pedagógio S.E.R.