quarta-feira, janeiro 26

Mundo Cão




Apreciei com muito gosto a opinião do colunista Michel Blanco. Uma boa reflexão para reavaliarmos atitudes perante o amor, a felicidade e a morte. Enfim... repensar a condição humana.



"Um cachorro se deita ao lado da cova rasa de uma das mais de 800 vítimas das chuvas na região serrana do Rio de Janeiro. Mal sabia que o descanso inadvertido em campo-santo comoveria o país. Fotografado e confundido com outro vira-lata, foi alçado à condição de herói pela imprensa. Nem os cães estão a salvo de um instante paparazzi.
Antes de se provar uma tremenda “barriga”, a história de Caramelo e seu sósia rendeu horas de trabalho jornalístico na busca por um fato novo em meio à contagem de corpos da tragédia. Ao fim, confirmou-se uma ligação entre bichos e os casos mais célebres de deslizes da mídia brasileira.
Não que os vira-latas sejam indignos de nota. São companheiros fiéis, ora. O verdadeiro Caramelo foi encontrado por bombeiros quando escavava a terra que soterrou seus quatro donos. Acabou indicando o paradeiro dos corpos aos homens do resgate. O outro, primeiramente batizado Leão e depois Joe, acompanhava o dono que se voluntariou para ajudar a sepultar os mortos.
Mas a atenção exagerada aos cães desabrigados pela tragédia cobra uma reflexão — e não apenas nas redações. Somente dias depois de incessante material sobre o perrengue canino fomos informados quequase três mil crianças estavam sem casa só em Teresópolis. A cachorrada chegou antes à condição de vítima, sinal do valor dado à infância. Impossível não lembrar do fino Rock da Cachorra, de Léo Jaime: “Troque seu cachorro por uma criança pobre”.
A empatia provocada pelos bichos é fartamente explorada pela imprensa. Não à toa. Somos cada vez mais ridículos no trato com animais de estimação, elevados à condição de filho mimado.  Humanizamos a relação com os bichos ao mesmo tempo que é lugar comum da vida urbana queixar-se da deterioração de relações interpessoais. Culpa do comportamento animalesco de alguns, alguém pode dizer. Afinal, nem todo mundo é fofo.
Buscamos nos cachorros aquilo que parecemos ser incapazes de oferecer: amor incondicional. Merecem todo afago, pois só mesmo cachorro para nos aguentar. A humanização dos cães pode ser útil, se aprendermos algo com eles."

Nenhum comentário: