sábado, janeiro 15

Tema Teológico-Sociológico de hoje: O problema do Moralismo Fundamentalista entre os leigos desinformados na Igreja Católica


A problemática do Sexo: por hoje não

O PHN – Por hoje não vou mais pecar – é o setor juvenil da Canção Nova e foi idealizado por um de seus membros conhecido como Dunga. Trata-se de um membro preocupado com a questão juvenil que grava CD´s, apresenta programas na TVe organiza eventos de massa para a juventude chamada de Acampamentos de Oração. Esses acampamentos são temáticos: há o acampamento de carnaval que tem o intuito de proteger os jovens das festas mundanas desse feriado, os acampamentos de libertação e cura, entre outros. Entretanto, o acampamento mais visitado pelos jovens é o acampamento PHN que apresenta diversos cantores católicos e promove várias atrações e momentos de louvor, celebração e festa para os carismáticos. O PHN atua no sentido de enfatizar a necessidade de distanciamento do mundo que o jovem carismático precisa manter para aprofundar sua fé e se preparar para o enfrentamento do mal, livrando-se totalmente do pecado. O participante do PHN é chamado a estar mais próximo de Deus por meio da experiência cotidiana e o PHN é um meio que permite recomeçar a cada dia.
Para uma descrição do programa televisivo PHN da TV Canção Nova, ver BRAGA, Antonio M. da C. (2004) TV católica Canção Nova: “Providência e Compromisso” X “Mercado e Consumismo” In Religião e Sociedade, vol. 24, nº 1. Rio de Janeiro: ISER, out., p. 120.
Dunga, principal difusor do PHN, escreve vários livros no intuito de convencer o jovem a mudar de vida, fazendo críticas ferrenhas ao homossexualismo, às drogas e à questão da sexualidade (sexo fora do casamento, masturbação, prostituição, traição, ficar). O PHN propõe ao jovem o resgate de sua identidade, perdida no momento em que há o desvio de rota, desvio “daquilo que deveríamos ser”.
O sexo fora do casamento também é algo muito discutido pelo movimento PHN. “Se o pecado bater na porta de sua casa, ou alguém o convidar para ir ao motel, ou ficarRevista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 8, Set. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao Artigos___________________________________________________________ 236
com um „gatinho ou uma gatinha, não tenha medo de dizer que você está morto para o pecado” (DUNGA, 2005b, p. 18). O sexo é considerado o principal desvio de rota do jovem, um verdadeiro descaminho para a santidade, o primeiro passo para fora do projeto de Deus. A prática da masturbação também é alvo de críticas: “Não nos enganemos com as pessoas que dizem que masturbação não é pecado” (DUNGA, 2005b, p. 13). O pecado dessa prática está no falto dela ser acompanhada de “pensamentos e sentimentos que não agradam a Deus”.
Portanto, a questão da sexualidade é considerada pelo PHN o principal fator que leva o jovem ao pecado. Dunga afirma que “A luta acontece principalmente em nosso interior, contra os prazeres da carne” (DUNGA, 2005b, p. 15). Todavia, além da questão sexual, o uso de drogas também é visto como elemento do “demônio” para alienar o jovem. “Quando olhamos um drogado na rua, percebemos a ação do demônio e quase nos esquecemos de que aquela pessoa é templo do Espírito Santo” (DUNGA, 2005b, p. 12). Para o PHN o combate ao tráfico deve acontecer a partir da ação do Espírito Santo. Nesse sentido, os livros de Dunga trabalham a questão moral tradicional e defendem uma postura de distanciamento do jovem diante da sociedade.
A partir da influência de seu idealizador, o movimento juvenil PHN, promovido pela Canção Nova, busca apresentar Jesus para o jovem e, conseqüentemente, livrá-lo do pecado. A conseqüência desse processo é o estreitamento no livre arbítrio do jovem carismático. Há uma negação da capacidade de julgamento do individuo com uma educação de recusa do espaço social no qual está inserido. “Nossa cabeça pode ser oficina do diabo se permitirmos que nossos pensamentos nos dominem, e basta um pequeno desvio para que isso aconteça” (DUNGA, 2005b, p. 42). Propõe-se abertamente que o jovem se distancie do seu meio social para aprimorar sua fé para assim voltar no futuro e “falar de Deus”. Fala-se em recuperação: “Porém, antes, precisamos ficar um tempo afastados para que a nossa recuperação seja completa e nossa vida volte a ser organizada” (DUNGA, 2005b, p. 26).
Portanto, em nossas observações do campo, conclui-se que o PHN é um modo de vida, nas palavras de Dunga um instrumento para a grande batalha contra o pecado. “O PHN é, sem dúvida, uma grande arma nessa luta. Vamos combater, até o sangue, o pecado em nossa vida” (DUNGA, 2005, p. 20). Trata-se de uma proposta de organização para a Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 8, Set. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao Artigos___________________________________________________________ 237
vida juvenil “repleta de possibilidades e caminhos contraditórios aos desejos de Deus”. O movimento que nasce da experiência de Dunga com Jovens em situação de risco ao se propagar pelos diferentes meios de comunicação, principalmente a TV, transforma-se na principal referência de vivência cristã dos jovens carismáticos, sendo no grupo de oração, principalmente os voltados para o público juvenil, que esse processo de evangelização se estabelece e desenvolve.
O tema da sexualidade está fortemente presente não apenas na obra de Dunga, mas também em outros escritos carismáticos voltados aos jovens. Por exemplo, Pe. Jonas Abib, liderança da Canção Nova, afirma categoricamente que o sexo é apenas para procriação.
Dou um passo a mais e convido também os casados a assumirem um compromisso com o Senhor: viverem suas relações conjugais de maneira pura, santa, como Deus quer! Sem as aberrações que o mundo ensina através dos filmes, vídeos, revistas e tudo o mais [...] O mundo nos quer ver sujando aquilo que de mais puro Deus criou: a união do homem e da mulher como sócios dEle para a existência de filhos neste mundo. Foi Deus quem quis que a criação de seus filhos continuasse por meio da sexualidade do homem e da mulher (ABIB, 2005, p. 34).
Significa que é necessário viver a castidade até o casamento e depois de casado deve-se praticar o sexo como forma de procriação. O PHN cobra uma renúncia de “si mesmo” a partir da não prática do sexo antes do casamento e da sua prática no casamento segundo os planos de Deus: uma ligação entre homens e mulheres no sentido de dar continuidade à existência humana.
As figuras de Sara e Tobias são resgatadas para reafirmar a necessidade da manutenção da virgindade até o casamento. Tobias e Sara casaram virgens e na noite de núpcias decidiram rezar durante três noites antes de manterem relações sexuais6. Pe. Jonas se apropria desses personagens bíblicos para convencer o jovem da necessidade da castidade. Afirma que ao transar antes do casamento, o jovem se “queima”, ou seja, machuca-se. O testemunho de uma jovem é descrito para convencer o jovem dessa necessidade: afirma que ela recuperou sua virgindade (física) ao se converter para o movimento e assumir o plano de Deus. Além disso, para ele, a camisinha é uma falsa prevenção.
6 Ver Bíblia Sagrada, Antigo Testamento, TB 8, 4-5. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 8, Set. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao Artigos___________________________________________________________ 238
Acerca do assunto da camisinha como falsa prevenção, o Professor Felipe Aquino afirma que é uma irresponsabilidade científica dizer para o jovem que é seguro transar com camisinha. As análises de Aquino sobre algumas pesquisas científicas, em relação à seguridade da camisinha, levam-no a afirmar que “em média, três relações sexuais com camisinha têm o risco equivalente a uma relação sem camisinha” (AQUINO, 2005, p. 102). Diante dessa realidade apresentada, Aquino conclui que a única segurança para o jovem é a castidade, com submissão total à Igreja. Defende a centralidade da IC como controladora da vida do fiel e pede ao jovem que seja ordeiro, obediente à única e verdadeira igreja de Cristo.
A partir dessa dinâmica da salvação, o PHN dá um sentido para a vida do jovem. Diante de uma realidade sem perspectiva de futuro e de uma sociedade sem ancoradouro seguro, os jovens da RCC são convidados a assumirem um caminho de sofrimento e dor, entretanto, um caminho com sentido certo. A RCC se aproveita dessa falta de perspectiva e insere o jovem numa realidade de certeza imbuída de sofrimento, ao molde do cristianismo tradicional. Trata-se de uma realidade na qual o jovem deve abrir mão das esferas seculares da vida para mergulhar na profundeza dos milagres que a esfera religiosa pode lhe oferecer. Diante do futuro inseguro, assume-se um presente de segurança comunitária, soteriológica diria Weber, que traz consigo a necessidade da abdicação de elementos racionais, mas também do irracional da vida secularizada, principalmente o estético e o erótico.
Considerações finais
Portanto, em relação aos jovens da RCC, afirma-se que eles são evangelizados a partir de um roteiro bem definido, que tem como porta de entrada o “Grupo de Oração Jovem”, como finalidade principal a adesão do jovem a uma comunidade de vida ou de aliança e o distanciamento do mundo como forma de conhecer Jesus e se livrar do pecado. O roteiro se complementa pela participação em “Ministérios de Música” e em atividades específicas como “acampamentos”, “barzinhos de Jesus” e “Cristotecas”. O vetor que orienta e possibilita a permanência nesse roteiro é o movimento PHN por ser o difusor de uma prática cristão-carismática capaz de envolver a vida do jovem de forma global e integrada. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 8, Set. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao Artigos___________________________________________________________ 239
A forte influência do PHN nos grupos de oração, principalmente no interior de São Paulo, dá-se por meio do sistema de comunicação de massa da Canção Nova (CD, livros, rádio), principalmente a televisão. O PHN possui um espaço significativo na TV Canção Nova e possui um programa que é transmitido ao vivo para todo o Brasil (nas cidades no qual a RCC conseguiu instalar o retransmissor) às terças-feiras a noite.
Considera-se que o roteiro de evangelização proposto pelo PHN se desenvolve a partir de uma mudança de impacto, mas se estabelece de forma provisória na vida do jovem. O fato observado dos jovens depois de um tempo de participação, no Grupo de Oração e nas atividades específicas, distanciarem-se da RCC nos remete à discussão de Weber sobre a esfera estética e erótica na sociedade. Como vimos, segundo o autor, o estético e o erótico concorrem com a religião na modernidade. Dessa forma, ambas as esferas possuem um sentido transformador que segue em direção à autonomia em relação ao campo religioso.
Parece ser essa a explicação para a eficiência apenas provisória do PHN na vida do jovem religioso, pois, ao descobrir a sexualidade no namoro, o jovem tende a se distanciar do movimento que foca sua discussão do pecado no elemento erótico. Ao restringir e condenar o sexo, a masturbação, o ficar, o PHN se fecha para aquela juventude que descobre a força vital da sexualidade em sua vida.
Todavia, importante ressaltar que, apesar de provisório, a prática cristão-carismática proposto pelo PHN possui eficiência, observada a partir do discurso dos jovens, em um determinado período. Além disso, o PHN consegue, inclusive, manter em seus quadros um pequeno, mas significativo número de adeptos que se tornam lideranças nos grupos de oração, nas paróquias e nas comunidades de vida e aliança da RCC.
De outra parte, assiste-se a um processo de submissão ao líder carismático, no qual um estilo de vida se afirma por meio de uma profunda desconsideração (distanciamento) da realidade e de uma total intolerância com a diferença. A nova tribo adotada pelo jovem convertido ao movimento carismático possui seus próprios princípios e os conserva colocando-a em oposição ao outro, ao diferente. Do lado do bem se encontram os vencedores, estes que retiraram o pecado de suas vidas, ou seja, os jovens do PHN. Do outro lado, se encontram aqueles que pertencem ao mal, os homossexuais, os jovens que Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 8, Set. 2010 - ISSN 1983-2850 http://www.dhi.uem.br/gtreligiao Artigos ___________________________________________________________ 240
praticam sexo fora do casamento, os membros de outras religiões, as outras tribos juvenis que não participam da igreja, ou seja, os jovens do mundo.
Nesse sentido, o distanciamento do mundo como um método de evangelização se torna inevitável, em um cenário difícil de colocá-lo em prática, na medida em que a realidade se nivela no momento em que jovem retorna a seu meio social (família, trabalho, escola). Nesse processo, o prejulgamento e a intolerância são convocados como armas de defesa dessa realidade que se difere daquilo que o carismático vivencia na comunidade religiosa, na paróquia e no grupo de oração.
Por fim, ao construir uma perspectiva inclusiva de distanciamento do mundo, a RCC produz também um distanciamento da própria Igreja Católica, já que se observou que uma parte significativa dos jovens participa apenas das atividades específicas do movimento carismático. Além disso, entra-se em choque também com as outras sensibilidades religiosas presentes no contexto católico, principalmente aquelas que dialogam de certa maneira com a modernidade e com as esferas seculares do mundo.

Referências

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____. Canção Nova: uma obra de Deus. Cachoeira Paulista e São Paulo: Canção Nova e Loyola, 1999.
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