sábado, março 12

Estadistas globais – Artigo J. O Globo 12/03/2011



Com o fim da guerra fria, os presidentes já não são defensores de ideias e posições estratégicas na geopolítica internacional. A globalização apequenou os dirigentes nacionais em agendas locais, sobretudo comerciais. A globalização ainda não produziu os estadistas globais que o mundo precisa. O estadista global precisa perceber a necessidade de ir além do comércio, deixar de ver as fronteiras de seu país como um problema alfandegário e migratório e entender seu papel na arquitetura do futuro mundial.

O presidente Barack Obama e a presidente Dilma Rousseff estão entre os poucos com condições de olhar para o mundo como estadistas globais, e não apenas como líderes de seus países. Ambos têm biografia comprometida com valores e princípios, com bandeiras de luta. Têm ideias e sentimentos dos problemas mundiais. Além disto, como negro e como mulher, cada um deles tem uma gênese biopolítica diferente dos seus antecessores. O que lhes permite sentimentos e posições novas em relação ao futuro.
Por estas razões, a visita do presidente Obama ao Brasil e seu diálogo com a presidente Dilma nos permitem esperar um fato histórico, e não apenas mais um simpático gesto diplomático. De início já se percebe a grandeza de ambos ao lembrarmos que é a primeira vez que um presidente americano vem ao Brasil, antes de o colega brasileiro ir aos EUA.
Mas para ter uma marca histórica, será necessário que os dois presidentes transformem o encontro em uma reunião de cúpula de dois estadistas globais, definindo agenda comum para os problemas do mundo.
A proliferação de armas de destruição em massa e o terrorismo devem estar entre as principais preocupações desta agenda; aspectos comerciais não podem ser esquecidos, mas os problemas mundiais vão além. Os dois presidentes precisam colocar na agenda pelo menos três outros temas: a luta contra a pobreza, lembrando a fala da presidenta Dilma de que "mundo rico é mundo sem pobreza"; a subordinação da economia ao equilíbrio ecológico; e a defesa dos direitos humanos.

Roosevelt e Truman, já no espírito do estadismo da guerra fria, lançaram o Plano Marshall pela reconstrução da Europa; Kennedy, ainda no espírito da guerra fria, lançou o Alimentos para Paz e diversos programas de apoio ao desenvolvimento econômico de cada país subdesenvolvido. Obama e Dilma devem ir muito além, adaptando-se às exigências do mundo global no século XXI. Não mais unilateralmente vindo dos EUA e não mais apenas de desenvolvimento econômico de cada país. 
 


Cristovam Buarque é Professor da UnB e Senador pelo PDT-DF
Devem juntos lançar as ideias de um plano social global de luta contra a pobreza, sobretudo por sua superação pela educação, com a adoção mundial de programas como o Bolsa Escola e o apoio à escolaridade com qualidade para todas as crianças do mundo. E apresentar linhas de uma Carta a ser submetida aos chefes de estado e de governo na reunião Rio + 20, em 2012. Dilma e Obama têm manifestado preocupações ambientais, especialmente em busca de fontes alternativas de energia, e poderiam levar em conjunto este discurso para o mundo. Assinar uma aliança atualizando o conceito da autodeterminação dos povos para levar em conta o mundo como um condomínio de países com responsabilidades mútuas: com os direitos humanos; contra o terrorismo; impedindo a proliferação de armas de destruição em massa; e permitindo o uso do avanço técnico a serviço de toda a humanidade.

Dilma e Obama representam países fortes e têm qualidades pessoais para transformar um encontro de dois presidentes em uma reunião de cúpula de dois estadistas globais. O Brasil, os EUA e o mundo, nós de hoje e as gerações futuras esperamos que eles aproveitem a oportunidade que a História, a biografia e o mérito de cada um estão nos oferecendo.
 Cristovam Buarque é Professor da UnB e Senador pelo PDT-DF

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