domingo, setembro 24

A presença obscura dos EUA no Paraguai

Estadunidenses aproveitam convênio entre os dois países para assegurar presença militar em região estratégica

Igor Ojeda,Enviado especial a Assunção (Paraguai)

Não se sabe ao certo quantos são. Mas eles estão lá. Desde a assinatura de um convênio entre Paraguai e Estados Unidos, promulgado pela lei 2594 em maio de 2005, militares estadunidenses realizam – agora oficialmente – exercícios em território paraguaio.
O acordo é generoso. As tropas dos EUA podem circular por onde bem entenderem. Seus equipamentos ou materiais estão livres de controle aduaneiro. E, caso um soldado cometa um crime, ele não pode ser julgado no país, nem denunciado em cortes internacionais. Em vista disso, outro termo previsto no convênio – que teve início em julho de 2005 e expira em dezembro deste ano – preocupa as organizações sociais paraguaias. A realização dos chamados Medretes (sigla para Exercício de Treinamento de Prontidão Médica, em tradução livre do inglês), "ajudas humanitárias" promovidas pelo exército estadunidense em comunidades do interior. A reportagem do Brasil de Fato acompanhou, entre os dias 16 e 20 de julho, a Visita de Observação Internacional – convocada pela Campanha pela Desmilitarização das Américas (Cada) e pelo Serviço Paz e Justiça do Paraguai (Serpaj-Py) –, realizada no Paraguai, para verificar denúncias de violações aos direitos humanos e investigar a possível relação dessas ações com a assinatura do convênio, que prevê também capacitação e treinamento das Forças Armadas do Paraguai por parte das forças dos EUA.
Segundo os relatos recolhidos pela missão, grupos de militares estadunidenses armados instalam-se em comunidades camponesas e convocam a população local para atendimento médico, incluindo oftalmológico e odontológico. De acordo com Julia Franco, da Coordenadora Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais e Indígenas (Conamuri), a população atendida, principalmente mulheres e crianças, conta que não são realizados exames médicos. O diagnóstico é feito a partir do que é dito pelo paciente. Não se combate as causas das enfermidades, e há suspeitas de que os soldados distribuem o mesmo remédio para os mais variados sintomas.
A reportagem do Brasil de Fato teve acesso a um conjunto de medicamentos fornecidos por um Medrete. Dentro de um saquinho plástico, estão cerca de oito pílulas onde se lê "Ibuprofen". Na etiqueta com o nome do remédio, a explicação: "Para dor ou febre. Três vezes ao dia". Nada de bula ou embalagem. Segundo Julia, há relatos na região do Chaco de que remédios distribuídos pelos estadunidenses causaram abortos e mortes.
Reconhecimento
Como o convênio assinado entre EUA e Paraguai prevê liberdade aduaneira aos equipamentos e materiais que o Pentágono traz para o país sul-americano, as autoridades paraguaias desconhecem o tipo de medicamento que é distribuído à população. "O Ministério da Saúde não intervém", denuncia Ramón Medina, dirigente da Mesa Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas (MCNOC). Os Medretes são acompanhados apenas pelos governos locais.
Mas as "ajudas humanitárias" não se restringem ao atendimento médico. Segundo Julia, os soldados estadunidenses fotografam e filmam a área em torno da comunidade, como se estivessem reconhecendo a área. Além disso, aplicam questionários à população atendida, perguntando, entre outras coisas, se a pessoa pertence a alguma organização camponesa, principal alvo da política de repressão do governo de Nicanor Duarte (leia outra reportagem sobre o assunto). Apesar de tudo, os Medretes – que, além de medicamentos, oferecem "presentes" aos camponeses, como óculos – são bem vistos pela população paraguaia, que não tem acesso a atendimentos médicos fornecidos pelo Estado. "Não temos garantia de saúde, por isso se aceita qualquer tipo de medicamento", explica Julia.

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